Introdução
A existência de políticas e procedimentos relativos ao oferecimento de presentes, refeições, entretenimento e viagens para agentes públicos nacionais ou estrangeiros é um componente crucial de um programa de integridade. Esses itens, doravante denominados “Vantagens”, referem-se a quaisquer benefícios tangíveis ou intangíveis oferecidos a agentes públicos², que podem, em determinadas circunstâncias, ser considerados como suborno. A definição clara e o gerenciamento adequado dessas Vantagens são essenciais para garantir que a empresa multinacional não viole leis anticorrupção locais ou estrangeiras³. Além disso, dependendo da jurisdição, o fornecimento de Vantagens pode exigir análises e procedimentos específicos relacionados ao lobby e consequências tributárias.
O oferecimento de Vantagens para fins legítimos faz parte dos negócios cotidianos de empresas íntegras que precisam promover seus negócios perante parceiros e demonstrá-los para autoridades públicas responsáveis pela sua regulação. Portanto, as empresas precisam desenhar suas políticas e procedimentos relacionados ao fornecimento de Vantagens de modo a não violarem a legislação aplicável e, ao mesmo tempo, não perderem oportunidades legítimas de promover e realizar negócios.
Para apoiar as empresas na elaboração das mais adequadas regras sobre o tema, este artigo discute as melhores práticas e padrões de mercado adotados por multinacionais que operam no Brasil, sejam elas de origem brasileira ou estrangeira.
Estruturação, Critérios e Melhores Práticas
Um aspecto básico, mas importante, em relação ao fornecimento de Vantagens para agentes públicos nacionais e estrangeiros é a determinação de um “gatilho” apropriado para que a análise do Departamento de Compliance seja obrigatória. Falamos em “gatilho” porque a melhor prática não é ter um limite rígido que pode ser incompatível com determinadas situações, como quando a empresa patrocina algum megaevento no qual os ingressos oferecidos a parceiros são todos de valores astronômicos, mas sim um limite razoável que imponha o fornecimento à aprovação do Departamento de Compliance. A existência de um “gatilho”, ao invés de um limite, busca evitar que o próprio Departamento de Compliance aprove o fornecimento de Vantagens em desacordo com as políticas corporativas.
Nada impede, contudo, que o Departamento de Compliance tenha em suas regras internas de aprovação outros valores considerados como “gatilhos” para revisões mais cuidadosas, que exigiriam uma aprovação excepcional e justificada. O Departamento de Compliance pode também prever situações que, mesmo sujeitas a sua aprovação e devidamente registradas, podem ser aprovadas de forma mais célere e simplificada, por não representarem um risco significativo do ponto de vista legal ou reputacional.
Especificamente em relação aos valores, a melhor prática é que as empresas realizem uma análise “dupla” que contemple tanto os aspectos da legislação local, que podem proibir o fornecimento de qualquer Vantagem ou possuir limites muito baixos, quanto legislações transnacionais estrangeiras, como, em particular, o Foreign Corrupt Practice Act e o U.K. Bribery Act. É fundamental também prever nas políticas que os valores das Vantagens são cumulativos e que o atingimento do “gatilho” deve ser considerado levando em conta a soma do valor das Vantagens oferecidas nos últimos 12 meses.
Quando da elaboração das políticas internas sobre o tema, a melhor prática é evitar muitas variações de “gatilhos” e procedimentos, de modo que muitas empresas optam por um “gatilho” único para dar ou receber qualquer modalidade de Vantagem, sem criar distinções por jurisdição em relação às regras globais. O objetivo é que os “gatilhos” e regras fiquem claros para todos os colaboradores.
Sobre a quem se aplicam essas regras, o que costuma funcionar do ponto de vista jurídico e prático é exigir o cumprimento das políticas de Vantagens apenas aos empregados e executivos da empresa e submeter terceiros, que podem agir em nome da empresa, a regras contratuais e um código de conduta aplicável a terceiros, evitando que a empresa seja responsabilizada por violações cometidas por terceiros em seu nome ou benefício.
No que se refere a ter políticas separadas sobre o tema ou incluir regras como parte da política anticorrupção, a maioria das empresas costuma possuir políticas separadas para o fornecimento de Vantagens, sem prejuízo de que a política anticorrupção faça referência ao tema de forma menos detalhada, focando nos riscos de Vantagens serem consideradas formas de suborno.
Em relação aos responsáveis por analisar e aprovar o fornecimento de Vantagens para agentes públicos, a melhor prática para empresas sujeitas ao Foreign Corrupt Practice Act é envolver o Departamento de Compliance para qualquer oferta de Vantagem a agentes públicos caso a empresa atue em países que vetam qualquer Vantagem ou que supere o baixíssimo limite aplicável para agentes públicos federais americanos de USD 20 por evento ou USD 50 por ano nos demais casos. A depender da estrutura da empresa, alguns procedimentos envolvem outros agentes na análise e aprovação, como gerentes e VPs, antes de chegar ao Departamento de Compliance.
Ao tratar do fornecimento de Vantagens para agentes públicos, a melhor prática é prever que as submissões devem ser prévias ao oferecimento da Vantagem e que todo o fornecimento deve ser registrado via um sistema interno de registro do fornecimento de Vantagens. Essa medida garante que a empresa também cumpra os requisitos de possuir registros completos e adequados.
Quando não há clareza sobre a legalidade, do ponto de vista das regras aplicáveis ao agente público, ou viabilidade procedimental de se verificar, algumas empresas optam por enviar uma carta ao órgão público pedindo que seja certificado que o agente público pode receber a Vantagem de acordo com as políticas internas a ele aplicáveis.
Conclusão
A elaboração de políticas e procedimentos eficazes para o fornecimento de Vantagens a agentes públicos é um aspecto crucial na manutenção da integridade e conformidade das empresas. A determinação de “gatilhos” para a análise do Departamento de Compliance, a consideração de legislações locais e internacionais, e a aplicação de regras tanto para empregados quanto para terceiros são práticas que garantem a legalidade e a ética no relacionamento com agentes públicos.
Além da determinação de critérios claros e uniformes para a análise do Departamento de Compliance e a consideração de legislações locais e internacionais, é fundamental que essas políticas sejam revisadas periodicamente. O ambiente regulatório global está em constante mudança, com novas leis e interpretações surgindo regularmente. Portanto, as empresas devem manter suas políticas atualizadas e alinhadas com os padrões mais recentes, garantindo que seus procedimentos permaneçam eficazes e que suas operações estejam em conformidade com as expectativas legais e éticas do mercado global. A implementação cuidadosa e a revisão constante dessas políticas são essenciais para preservar a integridade corporativa e a confiança do mercado.
Ressalta-se, ainda, que também é fundamental que a empresa invista no treinamento adequado de seus empregados, pois a simples definição de valores e regras muitas vezes não é suficiente para lidar com as complexidades das situações cotidianas. Um treinamento eficaz deve abordar, entre outros pontos, o propósito comercial legítimo, garantindo que as Vantagens oferecidas tenham um objetivo válido e estejam alinhadas com as necessidades da empresa. Também é crucial que os empregados compreendam a importância da razoabilidade e da tipicidade das ofertas, assegurando que estas sejam apropriadas e comuns no contexto comercial. Adicionalmente, é necessário que os empregados estejam cientes da necessidade de evitar qualquer influência indevida em questões de negócios (como alguma licença em processo de emissão, por exemplo), avaliando se a conduta, mesmo que despida de qualquer intenção ilegal, não pode ser potencialmente percebida como uma tentativa de influenciar indevidamente decisões de agentes públicos.
Empresas que adotam essas melhores práticas estão mais bem posicionadas para evitar infrações às leis anticorrupção, preservar sua reputação e, ao mesmo tempo, continuar promovendo seus negócios de maneira legítima. A implementação cuidadosa e a revisão constante dessas políticas são fundamentais para assegurar que as práticas empresariais permaneçam alinhadas com os padrões de integridade e transparência esperados no mercado global.
Este artigo buscou fornecer uma visão abrangente sobre as melhores práticas e padrões de mercado, oferecendo um guia básico para empresas que desejam aprimorar suas políticas de Vantagens e garantir a conformidade com a legislação vigente. Em um ambiente de negócios cada vez mais regulamentado, a adoção dessas práticas não é apenas uma questão de conformidade legal, mas também de responsabilidade corporativa e ética empresarial.