Em sua nova edição, o selo Pró-Ética vai reforçar a análise sobre a efetividade dos programas e dar mais peso à gestão de risco das empresas
Ao longo dos últimos 10 anos, o selo Pró-Ética conquistou um lugar de destaque no universo do Compliance brasileiro, tendo evoluído de forma contínua para acompanhar a evolução da área no Brasil e subindo a régua dos critérios avaliados para que as empresas sejam premiadas a cada ano.
A CGU divulgou o relatório sobre as avaliações do último ciclo do Pró-Ética, cobrindo o período de 2018 e 2019. Neste relatório, é possível ver o prestígio conquistado pela premiação e, também, o quanto conquistar o selo vem fincando mais difícil a cada ano. Das 373 empresas que solicitaram acesso ao cadastro, só 222 conseguiram finalizar o questionário e, destas, 152 foram avaliadas e apenas 26 contempladas com o selo.
O relatório também serviu de base para a realização de ajustes na pesquisa que nesse novo ciclo, que compreende os anos de 2020/2021, fossem realizados ajustes e mudanças de enfoque nos processos. Um deles é o maior peso que a premiação deste ano está dando as questões relacionadas à gestão de riscos. Esse é o item com o percentual mais próximo da nota máxima entre as empresas aprovadas, mas é o segundo item de pior desempenho, segundo o mesmo critério, entre as empresas não avaliadas à frente apenas de transparência e responsabilidade social.
Nesta entrevista, a secretária de Promoção da Integridade, Cláudia Taya, fala das novidades e explica as principais mudanças para a premiação neste ano, cujas inscrições vão até o dia 29 de janeiro de 2021.
Tendo com base o relatório mais recente, como você avalia a evolução dos programas de Compliance e a própria evolução do Pró-Ética nos últimos anos?
O relatório ficou muito interessante, uma análise bastante aprofundada. O Pró-Ética é um instrumento de política pública – não uma certificação – cujo objetivo é o de nortear o mercado, para que as empresas tornem os seus programas mais efetivos. E vivemos uma evolução. Lá atrás, em 2014, 2015, nosso objetivo era o de fomentar as empresas para que tivessem um programa de integridade. Agora, nosso objetivo é atentar mais para a efetividade desses programas.
Numa parte do relatório, apontamos aqueles que entendemos serão os desafios para a próxima década, lembrando que, em 2020/2021, comemoramos os 10 anos do programa. Acho que é uma retrospectiva do que evoluiu. Não acho que seja embrionário, nem tão avançado, subindo os degraus para avançar.
Dos tópicos abordados, quais você acha que estão mais evoluídos e para qual vocês querem dar mais destaque neste próximo ciclo?
O Canal de denúncia é uma prática que está fortalecida. Mas hoje, quando olhamos para as avaliações realizadas até aqui, notamos que um ponto no qual existe uma deficiência importante é a gestão de riscos. É a alma do programa, o ponto de partida para tudo. Essa preocupação está refletida no nosso novo questionário, que está dando mais peso a análise de riscos. Essa é a principal mudança: tiramos cinco pontos da avaliação do canal de denúncias, cujo peso caiu de 20 para 15 pontos, e acrescentamos cinco pontos à análise de riscos, que dos atuais 10 pontos, passa a valer 15, porque queremos estimular a avaliação de risco por parte das empresas. Embora 85,7% das empresas comprovaram fazer análise de riscos relacionados a atos de corrupção e fraude, apenas 33,3% das empresas apresentaram registro das metas e do desempenho alcançado em relação aos indicadores do programa.
Além da pontuação, em quais outros aspectos esse maior peso para a análise de riscos está refletido no questionário deste ano?
Teremos duas perguntas novas nesta edição. Uma é “se o processo de análise de riscos inclui a revisão e a aprovação da alta direção da empresa”. A outra pergunta nova é “se existe a correlação dos riscos identificados e a capacitação prevista nos planos de treinamento”. Em ambos os casos, as empresas que respondem que sim devem comprovar a afirmação com documentos.
Você vê os programas e os profissionais de Compliance atuando para entender os riscos em profundidade hoje? A alta administração está envolvida nesse processo?
Na verdade, acho que os profissionais tem que falar com as diferentes áreas da empresa. Ele precisa estar com a alta administração? Precisa. Mas, ele tem que estar com a turma que faz negócios, que opera, que sabe quais são os riscos da empresa. É preciso contemplar os riscos de corrupção e fraude, demonstrar as classificações de riscos, de impactos e as medidas de remediação e fazer um trabalho mais coordenado dentro da empresa. Às vezes, o que existe é uma visão muito jurídica e é preciso olhar mais para o operacional, porque o risco está muito no operacional.
Como vocês avaliam essas questões, do ponto de vista do risco de cada negócio?
Cada empresa é uma empresa, um setor diferente, a maneira como ela se relaciona com a administração pública tem suas variáveis e é isso que a gente olha na gestão da empresa, para ver se os riscos apontados e as medidas de mitigação são adequadas ao perfil da empresa. Temos um questionário muito objetivo e cada pergunta que ele comprova ele ganha uma pontuação.
O questionário está muito mudado?
Uma das mudanças é a maior objetividade nas questões. O questionário já era objetivo e agora está mais ainda. São 250 questões, a maioria de respostas sim ou não, mas sempre acompanhada do envio de comprovação pela empresa. Uma coisa importante é que neste ano, as empresas precisam apontar exatamente onde está a informação comprobatória. Até então, pedíamos o envio de informações e as empresas submetiam relatórios inteiros, cabendo a nós procurar a informação no meio do material. Agora, queremos a informação precisa, se está no documento, que se aponte exatamente onde está a informação. Também mudamos os critérios de admissibilidade. Estamos exigindo um mínimo de maturidade do programa, para que as empresas possam concorrer, não estamos aceitando empresas com programas muito recentes.
A efetividade depende muito do monitoramento do programa. É algo que vocês vão levar mais em conta também?
Temos que dar um passo de cada vez. Identificamos o monitoramento como um ponto que precisa evoluir, mas entendemos que precisamos dar mais relevância e atenção neste momento à análise e à gestão de riscos, que é o que vai ajudar as empresas a criarem programas mais adequados. Depois disso, podemos avançar para outros níveis.
Você diz que os canais estão estabelecidos, e por isso devem ter menos peso na avaliação deste ano. Com a maior disseminação deles, as empresas tem conseguido endereçar todas as denúncias? Existe um aumento no “denuncismo”, por exemplo, ou evoluções em termos de proteção ao denunciante?
O que a gente percebe é que não acontece um denuncismo. Os canais estão consolidados, 93,7% das empresas apresentaram dados e estatísticas sobre denúncias recebidas e apuradas. Ainda enxergamos uma falta de comprovação em relação à apuração de denúncias contra membros da alta direção. Só 28,6% das empresas participantes comprovaram a possibilidade de afastamento cautelar de membros da alta direção suspeitos de envolvimento em atos de corrupção e fraude contra a administração pública. Mas não chegamos nesse ponto (de olhar para o encaminhamento e a resolução de todos os casos). Ainda estamos olhando mais para as denúncias em si.
Já faz algum tempo que se discute como lidar com o crescimento do Pró-Ética frente ao número limitado de servidores da CGU para cuidar das análises dos participantes. Uma das alternativas era setorializar o Pró-Ética. Como estão essas discussões?
Os ministérios da Infraestrutura e da Agricultura, por exemplo, estão com as suas próprias inciativas de Pró Ética em seus setores. Vemos com bons olhos as áreas finalísticas conseguirem fazer isso e nós os ajudamos. Mas, ainda achamos que o protagonismo da CGU é importante. Para este ano, a operação continua a mesma. Devemos fazer uma discussão mais forte sobre isso a partir do ano que vem. Até porque os quadros da CGU diminuem. Queremos que todos os setores entrem e participem, porque quando um ganha, acaba puxando outros e não tem concorrência setorial quando a gente fala de integridade.
Você já deixou muito claro que a CGU não vê o Pró-Ética como uma certificação, mas é inegável que boa parte do mercado o enxerga como tal. Você acredita que o selo pode ser um validador para os programas de Compliance na hora de contratar com estados e municípios que exigem a existência de programas?
Integridade nas contratações públicas é importante, sem dúvidas. Mas, é preciso ter cuidado porque o setor público também precisa cuidar do seu lado do processo. Não gostaria que o Pro-Ética fosse encarado como uma validação para isentar alguém de “due diligence” numa contratação pública, por exemplo. Na CGU, não somos a favor de certificação, porque para nós isso é algo estanque. Quando acertamos uma leniência, por exemplo, não olhamos para isso, se a empresa tem o Pró-Ética. Até porque não temos tido muitas empresas aprovadas pelo programa. Vemos com bons olhos as certificações, mas para nós é muito caro ver a efetividade do programa e não é uma Certificação que vai atestar isso. Integridade tem a coisa da cultura que não é algo concreto, não é algo simples de se avaliar numa certificação.
Outros temas em evidência na área de Compliance hoje, como prevenção à lavagem de dinheiro e governança também são avaliados no processo do Pró-Ética?
Trabalhamos muito focados na anticorrupção. Na CGU, somos muito focados na relação publico e privado. Claro que lavagem de dinheiro acaba entrando, mas o Banco Central, como regulador das instituições financeiras, tem isso dentro do seu escopo e é muito mais efetivo nesse sentido. Acho que tem uma questão da governança nas empresas, que precisa estar mais estruturada, demanda mais planejamento estratégico e de análises de riscos contemplando verdadeiramente os perigos do mercado no qual a empresa atua. O comprometimento da alta direção tem que ser mais ativo para inspirar e transformar cultura. Temos feito entrevista nas empresas monitoradas, por exemplo. Conversamos com funcionários, empregados e a gente percebe na fala deles quando há o comprometimento da parte da alta direção. Terceiros continua sendo um desafio para o mercado e mantemos o seu peso na avaliação. Um item que talvez mereça mais atenção é o da transparência. É algo que não precisa de muito investimento e é subvalorizado, mas no caso do Pró-Ética está fazendo diferença.
Existe uma expectativa por uma participação maior ou menor neste ano?
Quantas empresas vão participar neste ano por conta da pandemia é uma curiosidade que temos, pois vínhamos numa crescente de participação. Mas, já temos um bom número de empresas inscritas e o recado que gostaria de deixar para as empresas é: não deixem para fazer a inscrição de última hora. O questionário é extenso, então é preciso de tempo para responder com tranquilidade. Além disso, quando chega perto do prazo final, de 29 de janeiro, com todo mundo correndo para entregar, o sistema congestiona, então vale a pena se antecipar. Já em fevereiro começamos a analisar a admissibilidade e dar início a um longo processo que irá culminar com a divulgação das empresas Pró-Ética em novembro de 2021.
Publicado originalmente na edição 30 da revista LEC
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