Ter mais ex-profissionais dos órgãos de controle do Estado é um movimento novo e que pode ser muito salutar. Basta algum grau de regramento sobre como o processo deve acontecer, somado ao bom senso dos envolvidos.
Lidar com o Poder Público é sempre complicado, seja em que país for. A burocracia inerente (e, em alguma medida, necessária) ao setor público, seus regramentos internos e a linguagem peculiar dos seus servidores, fazem dessa tarefa uma missão que pode demandar algumas expertises diferentes daquelas utilizadas nas relações entre partes estritamente privadas.
Na área de Compliance, em que a relação com agentes em diferentes esferas do setor público é muito grande, saber como pensa quem está do lado de lá do balcão, pode ser algo de grande valia. Obviamente, uma das melhores formas de aprender sobre como as coisas funcionam no setor público, é ter atuado nele. Não que um profissional sem essa bagagem não possa desempenhar muito bem tal função. Mas, é natural que quem já esteve do lado de lá tenha mais facilidade para entender, ao menos num primeiro momento, o que pensam e o que esperam os agentes do Estado que estão na mesa negociando um acordo de leniência, por exemplo.
Como chama atenção e ainda tem muita demanda para relativamente pouca mão de obra qualificada, profissionais que atuam na área pública passaram a olhar com mais atenção para as oportunidades que o compliance oferece para quem tem o conhecimento, a vivência e a cultura que eles têm. “Os servidores estão enxergando que existe um nicho de mercado ainda embrionário, que permite vislumbrar uma longa estrada de crescimento”, acredita David Rechulski, advogado especializado com mais de 15 anos de atuação na área de Compliance e de Criminal Compliance. Isso tem levado alguns deles a olharem com mais atenção para essa possibilidade de migração para o setor privado. “Ali, eles poderão se desenvolver como prestadores de serviço, atuando de forma mais abrangente e assim ter uma melhor contrapartida financeira. É a valorização da vivência e da possibilidade do conhecimento a ela inerente ser aplicado objetivamente, sob uma perspectiva de maior amplitude e efetividade”, emenda Rechulski.
Nos Estados Unidos, nação que ainda serve de referência global para as práticas da área, essa movimentação não só é comum, ela é esperada e desejada. Alguns dos principais nomes que lideram a área ou têm atuação destacada nas bancas de Washington D.C. e Nova York são ex-procuradores do Departamento de Justiça (DoJ), ex-agentes do FBI, da SEC, ou que acumulam passagens em outros órgãos de regulação e controle norte-americanos. São nomes que agregam valor de ordem técnica às empresas que precisam negociar com o Estado, como profissionais experimentados que são.
Um caso que ilustra bem essa situação é a de Hui Chen, profissional que atuou por quase dez anos como advogada no DoJ, passou outros 17 anos ocupando posições de destaque nas áreas Jurídica e de Compliance de empresas como Pfizer, Microsoft e Standard Cheatered Bank, para voltar ao DoJ, em 2015, como a primeira Compliance Counsel do departamento de Fraudes da pasta. Nesse papel, Chen foi autora do “Evaluation of Corporate Compliance Programs” documento de referência para quem atua na área, seja do lado do governo, seja do lado das empresas. Depois de “desentendimentos” com a nova administração Trump, a executiva deixou novamente a pasta para se converter em uma das grandes estrelas do universo do compliance global.
Antes de seguirmos, é necessária uma observação importante. É preciso entender que, em solo norte-americano, o trânsito entre as carreiras público e privada é bastante facilitado. Via de regra, o DoJ e as agências reguladoras têm algum grau de autonomia para contratar profissionais em diferentes níveis, de acordo com as suas diferentes necessidades. Por aqui, aos servidores públicos são concursados e os concursos, extremamente disputados por pessoas com excelente qualificação, que buscam, principalmente, a estabilidade oferecida por uma carreira no setor público, cujos salários médios, especialmente nos primeiros níveis da carreira, costumam estar bem acima da média do mercado. Por isso, quem entra, tem muito receio de abandonar a segurança oferecida para correr riscos de uma carreira na área privada. Ao mesmo tempo, é praticamente impossível para quem está na iniciativa privada, buscar essa experiência no setor público. No DoJ, por exemplo, existem vagas abertas periodicamente, inclusive posições que demandam larga experiência e, não raro, conhecimentos específicos.
Por aqui, não é permitido que o Ministério Público faça o mesmo. As poucas oportunidades para quem quer vivenciar uma temporada no setor público estão nos órgãos do Executivo, especialmente em cargos de confiança.
Foi o que aconteceu com Matheus Cunha, sócio da consultoria especializada T4 Compliance. Ele começou a estudar o tema ainda antes da aprovação da Lei Anticorrupção. Matheus, aliás, foi aluno de uma das primeiras turmas do curso de compliance anticorrupção da LEC. O escritório do qual era sócio tinha atuação em São Paulo e também no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul. “Em São Paulo, surgiram clientes sujeitos ao FCPA com demandas específicas, mas no Mato Grosso não se falava nada disso, era incipiente”, lembra o especialista, que começou a escrever artigos e a realizar eventos com entidades locais para tratar do assunto. Em 2016, a movimentação chamou atenção do Governador e da secretária de Estado de Transparência do Mato Grosso. “Fui convidado para ser secretário-adjunto desse órgão. Os objetivos da minha presença ali ficaram muito claros: dar uma contribuição técnica para tornar a lei anticorrupção aplicável e criar uma cultura de compliance no setor público e no setor privado local. Minha principal incumbência era criar um programa de conduta do estado”, lembra Matheus, que após essa passagem, montou sua empresa de consultoria.
Como o trânsito não é fácil, o movimento mais em evidência por aqui tem sido o da migração de profissionais após obterem sua aposentadoria no setor público, em geral, após terem alcançado o topo da carreira. Entre esses casos estão os do ex-ministro da CGU, Valdir Simão, que fez carreira como auditor da Receita Federal; e do ex-delegado- geral da Polícia Federal, Leandro Daielo. Coincidentemente, ambos atuam no mesmo escritório, o Warde Advogados, que reforçou sua área de Compliance e Anticorrupção com a chegada dos dois ex-servidores.
Ao fim do ciclo de setor público, nada mais justo que os servidores que tenham talento e disposição, continuem trabalhando na inciativa privada. E, apesar de salutar, é claro que é preciso pensar nas consequências desse novo movimento.
As vantagens de ter alguém pensando igual
Ainda que valores como integridade sejam universais, os processos na área pública são burocráticos por natureza. Ter estado do lado de lá faz com que o profissional tenha uma visão mais clara do funcionamento da máquina. “Se você vai fazer uma compra pública, você tem que seguir um procedimento que é muito mais burocrático. Enfrentar este processo demanda mais planejamento”, diz Matheus. Por outro lado, o setor público está muito mais exposto e sofre fiscalização mais intensa. “Por isso, a administração pública precisa se pautar em controles mais efetivos”, pontua o especialista da T4 Compliance.
Além disso, na relação entre as empresas e o Estado, existe algo relativamente novo, a possibilidade de colaboração. Isso muda a dinâmica tradicional de uma modelo no qual, basicamente, o Estado acusava e a empresa se defendia.
Trata-se de uma cultura nova e ainda não arraigada entre as empresas. “Num acordo de leniência, às vezes as empresas chegam aqui sem o espírito real da lei, que é ter a sua responsabilidade objetiva assumida sobre os fatos. Elas vêm colaborar, mas, ao mesmo tempo, também querem se defender”, diz Wagner Rosário, ministro da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU). “Quando você tem um profissional que sabe como a gente pensa, o que a gente espera, isso pode facilitar. Não é mandatório, mas não posso negar que quem conhece o funcionamento da máquina pública passa a ter um diferencial de saber o pensamento interno daquele órgão”, pontua o ministro.
Via de regra, essa mesma linha de raciocínio se aplica a outros órgãos de Estado. “Quem esteve no setor público já trabalha com a perspectiva do Estado e reconhece a mentalidade, as preocupações e a orientação estatal. Isso representa uma expertise diferente e facilita muito os processos de interlocução com agentes públicos nas negociações”, corrobora Luis Adams, ex-Advogado-Geral da União e ex-Procurador-Geral da Fazenda, que hoje atua no setor privado, como sócio da área de Compliance do escritório Tauil & Chequer. Ao contrário de seus colegas que se aposentaram no serviço público, o advogado ainda teria mais dez anos pela frente até obter o benefício. Tendo chegado ao topo da carreira e sem mais possibilidades de avançar, ele decidiu mudar. “Entendi que precisaria procurar novas oportunidades que eu pudesse me desenvolver. Eu confesso que me adaptei muito facilmente do lado de cá”, cita o advogado.
Como tudo o que envolve legislação de combate à corrupção no País está meio que centralizado na CGU, os advogados e outros profissionais que atuam na área de Compliance acabam conhecendo um pouco melhor o funcionamento do órgão de controle do executivo, o que não o torna isento de peculiaridades. Mas, no Ministério Público (MP), existe um grande volume de regramentos internos desconhecidos de boa parte dos profissionais que lidam com compliance, mas que acaba moldando a forma de pensar e agir dos Procuradores, que olham com muita atenção para essas regras, até para que eles não tenham problemas. Isso faz com que quem venha do MP, por conta do conhecimento desses meandros administrativos, já possa prever boa parte da forma de atuar do ex-colega da promotoria. “Se eu sair do MP e for para a iniciativa privada, eu já sei como ele vai se comportar, porque ele vai se pautar por esses regulamentos internos”, conta um Procurador da República, que falou em condição de anonimato.
Os riscos de conflito de interesse
Claro que esses novos movimentos também trazem questionamentos e, como tudo nessa vida, riscos. O caso que exemplifica muito bem os estragos que uma transição feita sem cuidado pode gerar é o do ex-Procurador da República, Marcelo Miller, que atuava de forma muito próxima do gabinete do chefe do Ministério Público Federal, Rodrigo Janot. Miller deixou seu posto para assumir uma posição de sócio no escritório Trench, Rossi, Watanabe, responsável por negociar um acordo de delação entre a J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista e a Procuradoria- Geral da República. Embora todo o processo tenha se dado de forma muito estranha, ainda mais se considerarmos o fato de que o ex-procurador seria sócio da área de Compliance de um dos maiores escritórios do País, juridicamente, a mera ida dele do MP para a banca privada da forma como se deu, não pode ser enquadrada como uma infração. De qualquer forma, ele lançou luz solar sobre a situação de conflito de interesses, dando ares nefastos ao movimento, até por conta das circunstâncias e dos reflexos políticos e econômicos que toda a situação acabou gerando.
Um dos grandes problemas é que as regras para quem vai migrar do setor público para o privado, quando existem, deixam muitas decisões importantes abertas à interpretação e ao bom senso dos servidores. Mesmo nas funções abarcadas pelas regras de conflito de interesse para servidores da alta administração pública, a imposição de uma quarentena depende da análise da comissão de ética, que vai avaliar o caso e a necessidade, ou não, de impor uma quarentena. Só que a comissão precisa ser provocada pelo próprio servidor para entrar em ação. “A gente espera que esses profissionais que estão deixando o funcionalismo público, especialmente os que estão indo atuar em Compliance, não manche seus nomes ao omitir essa informação”, conta o chefe da CGU. Para as posições mais altas do Executivo Federal, quando existe potencial de conflito de interesses, pela área de atuação ou tipo de atividade a ser exercida, por exemplo, a quarentena imposta é de seis meses. De acordo com o Wagner Rosário, não existe nenhum plano para ampliar esse prazo.
Mas, mesmo fazendo o report à comissão de ética, tem gente fazendo pedidos que desafiam o bom senso. Um caso recente demonstra bem o potencial negativo que a falta de regras mais explícitas pode exercer. Um Procurador da AGU fez um pedido ao órgão solicitando autorização para realizar trabalhos de consultorias na área de Compliance. Até aí, ok. Mas, o servidor queria realizar tais trabalhos sem abrir mão da sua função pública. Dada a natureza da atuação da AGU, parte direta em negociações envolvendo casos de corrupção e fraude contra o Estado, ainda que atuando apenas como consultor na estruturação de programas de compliance, o fato de estar dentro do órgão, com acesso privilegiado aos seus colegas e a informações internas, seria, no mínimo, um despropósito. Mas, como o Brasil não se cansa de nos surpreender, o primeiro parecer emitido pela AGU a esse pedido foi positivo. A decisão estabelecia algumas regras básicas, como a de que o procurador da AGU não poderia exercer essas funções dentro do horário de trabalho e que não afetasse a sua produtividade no órgão público, não ocupasse cargo de dedicação exclusiva e não configurasse situações de conflito de interesse, como uso de informação privilegiada. O ministro da Transparência explica que a questão do conflito de interesse é algo sempre complicado, uma vez que cada caso tem suas peculiaridades, tornando-o único. Mas, sem se referir ao caso específico da AGU, ele concorda que não é plausível que um servidor público que atue em algum órgão de controle, atuar em qualquer área de Compliance enquanto ainda atua no órgão.
Felizmente, algum bom senso prevaleceu e em novo despacho, o parecer foi derrubado. Procurada, a AGU não disponibilizou um porta-voz para esta matéria. Ao menos por enquanto, não será possível que esse servidor atue nos dois lados do balcão, de forma simultânea. Mas, é uma situação ilustrativa das “brechas” que podem gerar conflitos
de interesses “legalizados”. É um risco grande porque quem participa de órgãos de controle, acaba tendo acesso a informações também de outros órgãos, que atuam em cooperação técnica ou em fóruns como a ENCCLA. “Esse é um ponto de conflito de interesses que exige cautela fundamental e que precisa ser resguardado. Quem ainda exerce a função pública acaba tendo os privilégios de fazer parte dos órgãos e conhecer os caminhos de informação, fora o risco de tráfico de influência, que é crime”, reforça Matheus Cunha. Na falta de uma regra própria para a sua situação, o sócio da T4 usou como referência as regras de conduta da alta administração pública em sua volta ao mundo privado. Obviamente, a quarentena para atuar em casos nos quais ele de alguma forma atuou na esfera pública é eterna. “Mas, são critérios que eu estabeleci, para evitar problemas. Cada profissional deve fazer sua análise para não se colocar numa situação de risco”, lembra.
Alguma regra é preciso ter
No caso do Ministério Público, ainda não existe um regulamento específico limitando ou regulando como os Procuradores que deixarem o Ministério Público devam atuar ao migrarem para o setor privado. O que existe é um paralelismo com a regra que existe para magistrados e juízes que estabelece um prazo de três anos, para que eles atuem nas cortes e tribunais em que atuavam. Mas, esse paralelismo é feito para a atuação judicial. No caso da área de Compliace, a atuação se dá mais na esfera administrativa, extrajudicial, e, com o estouro do caso Marcelo Miller, as discussões sobre a regulação da atuação de ex-procuradores no setor privado voltou à tona.
Em março, o Senado aprovou um Projeto de Lei, que estabelece uma quarentena de três anos para que ex-juízes e ex-promotores exerçam advocacia privada, alterando o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994). De acordo com o texto, que agora está para votação na Câmara, o impedimento deverá valer para o juízo ou tribunal do qual se afastaram, estendendo-se a qualquer atividade que caracterize conflito de interesse ou utilização de informação privilegiada. Caso seja aprovada a nova legislação, ex-promotores ficarão impedidos de prestar, direta ou indiretamente, qualquer tipo de serviço à pessoa física ou jurídica com quem tenha estabelecido relacionamento relevante em razão do exercício do cargo ou emprego, ou celebrar com órgãos ou entidades em que tenha ocupado cargo contratos de serviço, consultoria, assessoramento ou atividades similares, ainda que indiretamente.
Destruição de reputações
Hoje, é relativamente fácil atuar para abalar reputações, seja de quem for. Como as regras ainda não cobrem todas as situações, e nem sempre são claras, o espaço para a interpretação e o discernimento cria um risco maior para “derrapadas” que podem manchar a reputação de um profissional, um escritório ou do cliente. E nesse contexto, quando não existe clareza do que é permitido ou não, qualquer detalhe, ainda que não configure nada errado, pode gerar, na melhor das hipóteses, muita chateação.
Pior! Mesmo sem nenhuma “derrapada”, essa falta de clareza já pode configurar uma dor de cabeça para muita gente, ainda mais hoje, quando tudo pode ser deturpado e publicizado, antes de ser checado. ”O momento, sociologicamente, é muito complicado e dentro desse processo ocorrem excessos. Presunções são tratadas como fatos concretos e sempre de forma desairosa”, diz Rechulski. Isso é um dos pontos que deve fazer com que a contratação de alguém vindo do setor público, para atuar na área de compliance, seja clivada de um nível de cuidado e atenção mais do que redobrado. Para Matheus, o grande problema é que, a partir de um único caso concreto, tudo se generaliza, sem ao menos se avaliar o caráter das pessoas. “Se a gente começa a generalizar todas as situações em função de um caso que foi triste, a gente corre o risco de ser injusto”, diz o sócio da T4 Compliance.
Quem busca um nome pensando em acesso privilegiado, não está fazendo compliance
Outro elemento que merece muita atenção em relação à transição do setor público para o setor privado é a questão do tráfico de influência. E aí, o fato de também não termos por aqui uma atividade de lobby regulamentada, abre espaço para deslizes a más interpretações. É comum, por exemplo, escutar questionamentos na mídia de que ex-juízes, depois de deixaram os tribunais superiores, acabam vendendo seus serviços a preço de ouro, pela experiência, obviamente, mas, também por terem porta abertas para entrar nos gabinetes dos seus ex-colegas. Não se trata de uma verdade, necessariamente, mas é preciso também analisar a questão em perspectiva. “É difícil você advogar nos tribunais superiores. Por isso, advogados com tradição de atuação nessas cortes tem maior acesso, porque eles têm mais conhecimento, de fato”, pontua Adams, do Tauil & Chequer. Ele lembra que isso não é uma exclusividade do Brasil e que, nos Estados Unidos, também existe um núcleo de advogados que são mais reconhecidos pela Suprema Corte. A diferença é que aqui, qualquer um pode tentar ao menos. Por lá, é preciso se qualificar e estar cadastrado para atuar no tribunal superior.
Nomes de referência que chegam do setor público para a iniciativa privada após terem alcançado o topo em suas respectivas carreiras, são os que costumam chamar mais a atenção do mercado, por motivos óbvios. São figuras reconhecidas por uma parcela bem mais ampla da sociedade, que tiveram grande exposição na mídia e, em muitos casos, são encarados como atores de destaque no combate à corrupção.
Alguns estão umbilicalmente ligados ao próprio sucesso que tiveram atuando na Lava Jato ou no próprio alicerce legislativo que hoje da sustentação para se combater a corrupção no país, e isso, por si só, já agrega muito valor ao negócio sob uma perspectiva legítima de marketing, de imagem.
Não obstante, para além da competência técnica, alguns clientes, ainda vendo a nova realidade sob uma ótica de “não compliance”, podem imaginar que ao contratar esses nomes, pelo seu prestígio, terão acesso facilitado ao Poder, a Justiça. “Claro que essa leitura (por parte dos clientes) é possível. Mas, acompanhe comigo. Uma empresa que pensa desse jeito, em contratar um ‘figurão’ pensando em ter qualquer tipo de vantagem junto ao governo, ela já parte de uma premissa errada e não deveria estar implementando um programa de compliance”, afirma o ministro da CGU, que garante que os órgãos estão mais preparados para lidar com essa situação, graças, entre outros motivos, à aplicação dos programas de integridade em todos os órgãos do Executivo federal. “Estamos levantando os riscos – e conflito de interesse é um deles – e adotando medidas para que esses riscos não se materializem. Eu tenho certeza de que os profissionais que estão fazendo esse movimento sabem muito bem de possíveis conflitos e que eles estão sendo chamados mais por sua capacidade profissional, do que por qualquer tentativa de influenciar o poder público. Porque, isso eles não conseguiriam”, garante o ministro.
Ao que tudo indica, estamos entrando mesmo numa era na qual as empresas tendem a perseguir uma relação mais saudável com o Estado e, para isso, quem veio do setor público acaba sendo um profissional igualmente interessado nessa perspectiva, esperando que se privilegie a competitividade pela competência e não por razões outras.
Para Luis Adams, é a trajetória do profissional que deve ajudar a abrir as portas desse novo mercado. “Os americanos fazem isso muito melhor que a gente. O brasileiro fala da formação academia, os americanos falam das suas carreiras. Isso traz diferença de perspectiva”, acredita. De fato, o conhecimento prático pode ser tão ou mais valioso que o acadêmico. “É óbvio que o conhecimento acadêmico é muito importante, essencial, mas também é certo que um profissional que já trabalhou por anos em compliance no seu dia-a-dia, e tenha assim adquirido um conhecimento casuístico mais profundo, pode ter uma visão adicional que agregue muito valor a qualquer projeto de implementação de Compliance, sobretudo num país com tantas idiossincrasias. Logo, pela demanda crescente que ainda teremos por anos à frente, a tendência será firme de ex-servidores públicos migrando para a iniciativa privada nesse seguimento de Compliance, vindo aliar sua experiência prática com a dos mais acadêmicos, em prol do sistema como um todo”, conclui David Rechulski.
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Publicado originariamente na Revista LEC, edição nº 22, com o título: “Do outro lado do balcão”.
Imagem: Freepik