O avanço nas discussões para regulamentar as atividades do mercado de criptoativos no Brasil vai abrir um novo leque de oportunidades, e grandes desafios, para os profissionais de Compliance que resolverem abraçar esse novo mundo.
Negócio em expansão em todo o mundo o segmento das criptomoedas, apesar de ainda incipiente, pequeno frente ao volume de moedas soberanas em movimentação no mundo e, não –regulado na maior parte dos países, vem ganhando cada vez mais espaço entre os investidores internacionais e locais nos últimos anos. Antes restrita a perfis de riscos mais ousados, os criptoativos vêm sendo incorporados à carteira de mais investidores, de olho no potencial de valorização que marca a trajetória desses ativos desde que eles começaram a ser utilizados para além das compras de substâncias ilícitas como o foram no início. Hoje, embora ainda limitado, as cripto já se espraiam para diversas áreas da economia, além de serem agentes relevantes nas discussões globais sobre finanças descentralizadas.
A questão é que as cripto representam um investimento de altíssimo risco, para o qual, os investidores não contam com muita proteção do Estado e que o próprio Estado encontra limitações para evitar que essas novas moedas sejam exploradas por criminosos para fins ilícitos. Essa preocupação existe desde sempre, inclusive. A natureza disruptiva e descentralizada das criptomoedas também oferecem um campo fértil para operações ilícitas como lavagem de dinheiro. Mas, após alguns anos de muitas discussões, parece que o mundo vem encontrando os meios para regular e dar mais segurança institucional ao mercado de criptoativos, trazendo os seus operadores, cada vez mais, para guarda-chuva regulatório similar aquele que rege o mercado financeiro global, ao menos em termos de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.
O Brasil também tem dado fortes indícios que seguirá nesse mesmo caminho. Com a aprovação pelo Comitê para Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, do Projeto de Regulamentação dos Criptoativos, em fevereiro último, o debate sobre os marcos para dar mais segurança jurídica ao investidor e aos participantes do mercado das criptomoedas no Brasil, finalmente, começa a tomar corpo. O texto pode seguir diretamente para a Câmara dos Deputados e, depois, para sanção presidencial, caso não haja recurso para votação em plenário do Senado e a Câmara aprove o texto sem alterações. O documento aprovado foi um substitutivo ao PL 3825/2019 que também incorpora os PL 3949/2019 e PL 4207/2020.
O projeto elenca três objetivos principais: dar segurança ao mercado de ativos virtuais, proteger o investidor brasileiro e proteger a ordem econômico-financeira. Sobre esse último ponto o Projeto de Lei exige das exchanges – empresas que fazem as negociações e operações de ativos virtuais – a identificação de seus clientes por meio de processos de Know Your Client (Conheça Seu Cliente), deixando claro a responsabilidade que essas operadoras passam a ter em relação a identidade, a idoneidade de seus clientes e dos riscos envolvidos na manutenção de uma relação comercial com eles, além da manutenção de registros de transações.
Para especialistas e representantes das exchanges ouvidos pela reportagem da revista LEC, apesar de ainda não ser perfeito, a sinalização de que o mercado brasileiro de criptos possa ter uma legislação própria e adequada, devidamente sancionada, ainda este ano, representa um grande avanço no sentido de dar segurança jurídica tanto para os agentes do segmento quanto para os investidores.
Já para os profissionais de Compliance, a regulamentação desse mercado tem potencial para abrir as portas de um universo de possibilidades e oportunidades de carreira. O que, naturalmente, trará também uma nova carga de desafios. Para dar conta de um segmento novo, disruptivo, marcado pela descentralização e ainda em pleno desenvolvimento, os profissionais de Compliance precisarão desenvolver capacidades e habilidades novas em relação àquelas já necessárias aos profissionais que atuam no mercado financeiro, por exemplo. Isso pode vir a dar origem, por que não, a um novo tipo de Compliance Officer. “A indústria da inovação como um todo traz mudanças e precisa de profissionais e pessoas qualificadas e especializadas para trabalhar nesse setor específico”, conta Bernardo Surs, presidente da ABCripto (Associação Brasileira de Criptoeconomia), entidade que reúne algumas das principais exchanges do mercado brasileiro. Para o dirigente, assim como existem profissionais de Compliance especializados em setores específicos, como o financeiro e o imobiliário a tendência é que venha a surgir um Compliance especializado em tratar do setor cripto.
O negócio de criptoativos está dentro do que hoje se convencionou a chamar de DeFi, sigla para decentralized finance (finanças descentralizadas). As criptomoedas, por exemplo, não são moedas soberanas de uma nação. Assim sendo, elas não estão hoje, sujeitas as lógicas que regem a emissão de moedas como o Real, o Iene, ou o Euro. Por isso, Renata Fonseca, advogada e Compliance Officer da firma de private equity South Rock, informa que é preciso entender que o texto do PL brasileiro não tenta regular os criptoativos diretamente. O que se busca é oferecer bases legais para a atividade dos que operam com essa tecnologia. “O que se quer regular com a lei é a prestação e as prestadoras de serviços em relação às operações com ativos virtuais. Pessoas jurídicas que executem essas operações em nome de terceiros”, diz Andrade.
Hoje, não existem regras específicas em relação aos processos de KYC, ou análises de riscos e conflitos de interesse mais refinadas para as exchanges no momento em que ela realiza a troca de ativo virtual por moeda soberana. Ou quando houver a troca de um ativo virtual por outro ativo virtual. Ao mesmo tempo, que garantias essa exchange pode oferecer ao investidor que aquela fração de bitcoin que ele comprou, está lá e é realmente dele? “ Significa dar segurança jurídica dentro de uma atividade disruptiva que é o blockchain”, explica a Compliance Officer da South Rock.
O tema não é exatamente novo. Na verdade, o debate sobre a regulamentação do mercado de criptomoedas e criptoativos no Brasil vem acontecendo desde 2015. Segundo Surs, da ABCripto, os profissionais do segmento vêm acompanhando de perto e cobrando das autoridades uma lei regulatória oficial. “Estamos engajados nisso desde o início da associação”, declara O presidente da entidade fundada em 2018, que estabelece, inclusive, uma autoregulação para os seus associados.
Em linhas gerais, há consenso de que o PL apresenta uma visão muito clara sobre os papéis de responsabilidades de todos, alinhando as necessidades do mercado às da sociedade brasileira, levando em consideração aspectos técnicos, jurídicos e de relações de consumo.
Para Vanessa Butalla, diretora executiva Jurídico, Regulatório e de Compliance da 2TM, holding que controla a Mercado Bitcoin, maior exchange em operação no Brasil, trata-se de uma regulação principiológica. “O PL não diz o como, mas estabelece quais são os princípios que devem ser observados pelas empresas que vão prestar serviços com ativos virtuais”, explica a executiva. O texto do projeto indica a necessidade de que seja observada a legislação de defesa do consumidor, de observar a LGPD, de ter um programa eficiente de prevenção à lavagem de dinheiro e de fazer reporte das operações para as autoridades fiscais na forma da legislação existente, tal qual outros agentes do mercado financeiro. “Enfim, a regulação traz para o ordenamento o dever de que quem presta serviço com ativos virtuais aqui no Brasil cumpra com a legislação brasileira”, reforça Butalla. Pode parecer algo óbvio, mas trata-se de algo importante, dada a natureza descentralizada do universo cripto. O cumprimento da legislação é uma obrigatoriedade para todos os prestadores de serviços e para pessoas que estejam prestando serviços no Brasil, sejam nacionais ou estrangeiros. O texto do PL é positivo por reforçar esse fato.
Outro ponto bastante relevante é que o PL determina que o mercado será supervisionado por um órgão regulador. A atribuição de quem será esse regulador recai sobre o Executivo, que pode até criar um órgão novo, dedicado a esse mercado, embora todos os indicativos caminhem para que o Banco Central fique responsável por essa função. Caberá ao regulador criar os procedimentos para avaliar essas empresas que prestam esse tipo de serviço e as autorizar a operarem no Brasil. O que também vai trazer mais segurança para o investidor. “Teremos um órgão público que vai fazer a análise e confirmar se as empresas cumprem com uma série de requisitos para prestar esse serviço sem expor a risco o investidor ou o consumidor brasileiro”, comemora a diretora da 2TM.
No processo de regulação, o regulador, seja o BC ou qualquer outro, vai autenticar as pessoas jurídicas que farão essa prova digital de que aquela operação correu no blockchain adequadamente e que vai ter lastro. Para isso, como explica Renata Andrade, o primeiro ponto trazido pelos projetos em discussão é buscar estabelecer o que é um ativo virtual. “É delimitar, separar o que é e o que não é ativo virtual para fins de regulação. E o que for considerado ativo virtual terá suas diretrizes e premissas legais, que garantam a segurança e a saúde do sistema financeiro nacional para evitar ilícitos, como pirâmides financeiras, fraude contra o consumidor e demais crimes, dando segurança jurídica para o sistema”, diz a advogada.
A evolução da tecnologia – e o ecossistema no qual as criptomoedas estão inseridas é, antes de tudo, um ambiente de tecnologia –, é muitas vezes mais rápida do que o avanço de qualquer discussão legislativa. Isso demanda atenção de todos os envolvidos para que não se lance no mercado uma regulação que já venha datada em seu nascedouro. Por outro lado, é preciso evitar o afã de querer manter todo o segmento sob rédeas muito curtas, inibindo a sua capacidade de inovar. Diretor Jurídico da exchange Foxbit, Victor Henrique Martins Gomes, lembra que muita coisa mudou desde 2015, data do primeiro projeto de lei sobre o tema na Câmara dos Deputados, incluindo novos tokens, contratos inteligentes, revolução dos projetos DeFi e NFT’s. “Não espero um projeto perfeito, tampouco um projeto que regule tudo, mas aguardo zelo e cuidado pelo regulador, principalmente pelo Banco Central quando da edição de norma infralegal. Regulações muito fora do contexto ou restritivas podem afastar investidores e empreendedores, que buscarão jurisdições mais favoráveis ao desenvolvimento de novas e prósperas tecnologias”, diz o executivo da Foxbit.
Prevenção contra o uso em ilícitos
Todo processo regulatório costuma vir acompanhado de exigências que encarecem a operação de quem já está no mercado. Ao mesmo tempo, também cria barreiras para que novos participantes possam entrar no negócio. Para o CEO da Coinext, José Artur Ribeiro, isso prejudica a concorrência. “Não por conta de uma questão de serem poucos players, mas sim por conta de maiores custos adicionais para o processo regulatório, o que torna o serviço muito mais caro para o cliente”, diz o executivo.
Apesar disso, Ribeiro saúda o fato de que, finalmente, está sendo colocado ordem na casa. “Você estabelece condições e regras, para que os players tenham igualdade de condições para poder operar nesse mercado”, comemora. Com isso, empresas estrangeiras, por exemplo, precisarão ter uma sede aqui no Brasil e se submeter ao regulamento local. “Sendo assim, algumas empresas internacionais, que não pagam tributo no Brasil, não mais poderão fazer uso dessa arbitragem regulatória”, reforça o CEO da Coinext. Além disso, ele acredita que com as normas impostas pelo regulador, toda a burocracia adicional vai dificultar atividades ilícitas e fraudes utilizando criptoativos. “Vai haver uma custódia regulada dos criptoativos. Nós, enquanto corretoras, teremos uma série de regras a cumprir, tanto do ponto de vista de Compliance quanto do ponto de vista de controle cibernético, de operação de disclosure, isso tudo faz com que se crie um ambiente de segurança e assim se evite práticas de empresas fraudulentas e ações delituosas através de criptoativos”, acredita Ribeiro.
Os projetos em discussão no parlamento já mostram, minimamente, o que se espera do mercado de cripto a partir da regulação. “Imagino que a partir daí, venha um movimento para equilibrar o mercado de forma justa em que a segurança contemple todas as partes envolvidas e os produtos oferecidos”, head de Compliance e Risk na NovaDAX, Renata Mancini. Com regras mais claras para todos, diminuem-se as chances de práticas ilegais e tantos outros crimes. Mas para isso funcionar, será fundamental o trabalho das exchanges. Para Mancini, são elas que, ao garantir a conformidade da lei, ajudarão a tornar o ambiente de criptoativos cada vez mais seguro para todos os investidores”.
Da perspectiva do Compliance, o que a lei tem de mais importante é estabelecer a premissa de, para praticar essa atividade de prestação de serviços em artigos virtuais no Brasil, será obrigatório um programa de prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao financiamento ao terrorismo, em linha com aquilo que hoje as instituições financeiras já praticam e com o direcionamento que vem sendo dado ao tema por reguladores multilaterais. O próprio FATF-GAFI (que estabelece as diretrizes globais para reguladores nacionais nas questões relacionadas à PLDFT), vem indicando que as exchanges devem seguir as mesmas regras a que estão sujeitas às instituições financeiras tradicionais. Segundo Butalla, do Mercado Bitcoin, essa é uma prática que a maioria das exchanges sérias em operação já executam, para garantir que os seus serviços não estejam sendo usados para essa finalidade. O texto em geral deixa mais claro que o uso de criptoativos como instrumento de lavagem de Dinheiro será configurado como um crime financeiro e contra o Sistema Financeiro Nacional. Isso reforça a carga penal imposta aos que incorrerem nesses crimes. A proposta do Senado, inclusive, propõe a alteração da Lei de Prevenção de Lavagem de Dinheiro, com a inclusão da exchanges, como Pessoas Obrigadas. “Isso é algo que parte do setor já faz, reportando transações tidas como suspeitas para o Coaf (a unidade de inteligência financeira brasileira), mesmo que a lei não nos classifique como tal”, diz Surs. Para o presidente da ABCripto, trata-se de uma mudança muito importante para o setor nesse sentido.
Já Victor Henrique, da Foxbit, tem dúvidas quanto a efetividade de apostar apenas no aumento das penalidades, sem pensar em medidas para informar a população sobre essa categoria de investimento que ainda é muito jovem. “O nosso Código Penal é da década de 1940, muita coisa evoluiu e as regulações também precisam ser atualizadas. Neste sentido, muitos dos projetos propõem alterações dos tipos penais já existentes que se amoldam com mais perfeição nas práticas criminais também realizadas com criptoativos. Na minha visão, estabelecer um tipo penal mais gravoso não é a solução. Em verdade, há de se estimular a educação neste mercado”.
A importância do Compliance para o mercado de Criptoativos
Apesar de só agora estarmos caminhando para uma regulamentação oficial e com poder de Lei, parte importante do mercado brasileiro de criptoativos não opera livre de regras e à margem dos trâmites legais. Com já dito nessa reportagem, as filiadas da ABCripto e outras empresas sérias já operam sob uma autoregulação, com regras e obrigações claras quanto à conformidade e reporte de suas movimentações aos órgãos legais, como a CVM, o Banco Central e a Receita Federal. Para essas empresas cumprirem com tais exigências auto-impostas, o programa de Compliance ocupa um papel chave dentro do ecossistema corporativo de uma exchange, mesmo antes da entrada da Lei em vigor. “Os próprios provedores de serviços de ativos virtuais têm se mobilizado para construir estruturas de Compliance que amparam o estudo de novas regulações, produtos e serviços, análise de transações com criptoativos na rede blockchain, entre outros”, declara Victor Henrique da Foxbit.
“Hoje nós já trabalhamos como se estivéssemos regulados e as práticas de Compliance estão devidamente adequadas. Então, para nós, de imediato não vai mudar muito com a entrada de regulação em vigor. Mas, no mercado geral, certamente, para os profissionais de Compliance dentro do mercado cripto a tendência é muito positiva”, concorda Ribeiro da Coinext.
Oportunidades dentro de um universo em expansão
Sendo assim, é possível antecipar que as oportunidades para profissionais de Compliance que o mercado das criptomoedas representa um universo de proporções bastante consideráveis. Principalmente agora, com iniciativas concretas de regulamentação avançando e um momento não se de expansão, mas da busca por uma maior institucionalização do mercado, o que deve fazer com que ele passe a crescer sob bases sólidas nos próximos anos. Vanessa Butalla, do Mercado Bitcoin aposta que com a regulamentação avançando, a tendência é que muitas oportunidades para profissionais de Compliance venham a surgir dentro do mercado de criptoativos. “Com a necessidade da autorização para operar, mais empresas que podem não estar cumprindo com as normas da autoregulação das melhores práticas de mercado, certamente irão precisar de assessoria nessa área. O que pode ampliar mais o mercado para os profissionais de Compliance”, acredita a executiva. É no que aposta Vitor Henrique, da Foxbit. “Trabalhamos em um ecossistema pouco regulado com inovação constante. Assim, os Compliance Officers do mercado de criptoativos passará a ser muito mais ativa na construção destes novos regramentos. O grande desafio sempre será construir algo justo, que proteja investidores, empresas do segmento e transforme o Brasil em um grande polo de criptoativos. O desafio é árduo, mas gratificante”.
“O volume de valores movimentados no mundo virtual é de trilhões de dólares e no Brasil são várias as exchanges atuando, tanto as já consolidadas quanto as novas plataformas que surgem. Nesse novo cenário para o profissional de Compliance, as possibilidades são infinitas”, aposta Renata Andrade.
Por se tratar de um mercado em constante transformação, que se desenvolve de maneira muito rápida, será exigido do profissional uma profunda disposição para aprender e se adaptar para ter destaque. “Compliance é uma área extremamente viva em que há mudanças a todo momento. O profissional da área deve se manter constantemente atualizado a fim de ter contato com tudo o que está acontecendo. Existem eventos que puxam essas conversas, mas ainda assim é importante realizar cursos para atualização”. Renata Mancini.
Um novo Compliance para um Novo Segmento
Uma vez que sob muitos aspectos regulatórios, as exchanges estão sendo tratadas como instituições financeiras, é natural que as capacitações e expertises tradicionalmente afeitas aos profissionais de Compliance financeiro, serão fundamentais para quem deseja atuar no segmento. Mas para quem tem planos de alçar voos mais altos e se destacar no mercado das economias digitais, será preciso agregar também novas expertises, mais específicas dessa atividade.
É o diretor da Foxbit quem dá a dica. “Acredito que o ponto primordial ao profissional de Compliance deva ser a curiosidade pelo mercado de criptoativos e a vontade de aprender, já que todo dia surge algo novo”. Ele lembra que o bitcoin, blockchain e outras tecnologias surgiram na internet e não em livros de história. “Assim, o conhecimento está ao alcance de todos os profissionais. Que tal começar estudando o white paper que primeiramente introduziu o bitcoin? Basta acessar e Google e digitar: “Bitcoin: um Sistema de Transação de Dinheiro Ponto-a-Ponto”. Ele também chama atenção para outros pontos também desejáveis, a exemplo de certificações de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. “Conhecimento do mercado financeiro tradicional, principalmente Bacen e CVM e conhecimento em línguas estrangeiras, já que, muitas vezes, teremos que buscar respostas em jurisdições mais evoluídas no mercado de criptoativos. Quanto às atribuições, há de se ter expertise para atuação de forma generalista, que navega desde a elaboração de políticas e normas internas, passa por todo fluxo de KYC, analisa transações das mais variadas e tem um relacionamento muito próximo aos consumidores”, finaliza.
Mancini, da NovaDax aposta na agilidade e capacidade de adaptação como principal característica desse novo profissional. “Agilidade com inovação são qualidades muito importantes para se adaptar a este mercado em constante mudança e crescimento. Nosso trabalho é customer oriented que conversa muito com o dia a dia do Compliance. Queremos segurança em primeiro lugar para os clientes e para a saúde do negócio”.
José Artur Ribeiro diz ter absoluta certeza de que será um profissional diferenciado. “Para se fazer uma atuação de Compliance ativa, dentro do ambiente cripto, esse profissional vai ter que se moldar”. Alertando para o fato de, além de o mercado e a tecnologia representarem um mundo novo e diferente, principalmente tendo em vista a natureza descentralizada das operações, também abre possibilidades inacreditáveis para práticas ilícitas. Sendo assim, dos profissionais de Compliance decididos a abraçar o segmento, também será exigida a capacidade de se adaptar rapidamente e até antecipar a criatividade dos fraudadores “Esse profissional de vai precisar abrir muito a cabeça, entender muito da tecnologia, estudar muito sobre como funciona a dinâmica do blockchain, como funcionam as ferramentas. De certa, além de tudo o que um profissional de Compliance tradicional traz de experiência, ele vai ter que se reinventar. O que não é de todo ruim, já que vão faltar profissionais especializados em criptoativos com esse perfil e, sendo assim, vão sobra oportunidades para ele”, acredita o CEO da Coinext.
“Eu acredito que vamos ter um profissional de Compliance financeiro que vai precisar ter algo a mais que é: entender como funciona blockchain, DLT, diferença entre moedas virtuais, criptoativos, moeda virtual soberana e como funcionam no mundo virtual para colocar by design todas as providências e alertas que ele precisa tomar nos eventos digitais, porque ele não vai ter gente falando, mas plataformas e um cidadão do outro lado do mundo com um aplicativo na mão e ele precisa conhecer e entender quais são os controles que ele precisa ter, porque, se ele usar os controles do mundo real no mundo virtual, ele não vai pegar nada ou vai pegar tudo e não vai ter condição de analisar e separa o joio do trigo”, conclui Renata Andrade.
Box – “Encaixando” as inovações no sistema
A SEC, agência reguladora do mercado de capitais norte-americano, anunciou recentemente que a Unidade Cibernética da sua Divisão de Execução, renomeada como “Unidade Cibernética e de Criptoativos”, será expandida em 20 posições, totalizando cerca de 50 especialistas. A regulamentação de ativos digitais tem sido uma iniciativa fundamental do atual presidente da SEC, Gary Gensler, que anteriormente havia presidido a Commodity Futures Trading Commission (CFTC), a reguladora dos mercados de commodities e opções futuras dos Estados Unidos.
Em comunicado, a SEC enfatiza a explosão dos mercados de criptomoedas nos últimos anos e que a Unidade Cibernética e de Cripto Ativos será vital para proteger os investidores e regular com eficiência os mercados financeiros. A unidade irá se concentrar na investigação de violações de valores mobiliários relacionadas a ofertas e trocas de ativos criptográficos; produtos de empréstimo e staking de criptoativos; plataformas financeiras descentralizadas, comumente conhecidas como plataformas “DeFi”; além dos famosos tokens não fungíveis, os “NFT’s” e das stablecoins.
O anúncio ocorre logo após os legisladores da Câmara dos Deputados de lá introduzirem o Digital Commodity Exchange Act de 2022, para permitir e, em alguns casos, exigir que “trocas de mercadorias digitais” sejam registradas e regulamentadas pela CFTC. Pelo projeto de lei, as commodities digitais são definidas como “propriedade pessoal intangível e fungível” que pode ser mantida e transferida em transações ponto a ponto sem intermediário. A definição exclui ativos criptográficos que representam propriedade em um negócio, bem como outros tipos de interesses tradicionalmente regulados pela SEC. O projeto também colocaria muitas stablecoins ativos digitais cujo preço normalmente está vinculado a outra moeda, geralmente o dólar americano – sob o regime regulatório da CFTC.
Artigo publicado originalmente na edição 34 da Revista LEC, com o título “Descentralizado, mas não sem regras”.
Imagem: unDrawn