É inegável que em qualquer área de Relações Institucionais e Governamentais, lidar com o Governo em suas diferentes esferas é o que mais pesa. Mas o leque de temas “quentes” para os gestores da área está se ampliando.
Cuidar da interlocução com o Poder Executivo, o Legislativo e as agências regulatórias são as principais tarefas do dia a dia da área de Relações Institucionais e Governamentais (RIG) na visão dos líderes das empresas, das consultorias especializadas e escritórios de advocacia com atuação na área e das associações setoriais. De acordo com os gestores das áreas de RIG nas empresas, a interlocução com governos é de longe a prioridade de atuação da área, sendo apontada por quase 90% dos respondentes. O acompanhamento do Legislativo vem em segundo lugar, citado como uma das prioridades de atuação por três quartos dos respondentes da pesquisa feita pelo anuário ORIGEM.
Embora em percentual menor, esses dois temas também são apontados por profissionais de consultorias e escritórios e associações de classe como os mais relevantes para a atividade diária do RIG.
E não haveria por que ser diferente. Os próprios profissionais das empresas apontam que estabelecer uma interlocução sólida e transparente com autoridades governamentais é o seu maior desafio.
Serviço compartilhado
Para dar conta de um trabalho mais estratégico, os gestores de RIG contam, e muito, com o apoio de terceiros, especialmente o de empresas especializadas na área, para livrar a parte mais operacional do trabalho, mantendo majoritariamente para si a execução dos assuntos mais estratégicos de fato.
Atividades mais recorrentes e automáticas, como o acompanhamento da pauta legislativa e do Diário Oficial, são feitos de forma terceirizada. Apenas um terço dos respondentes de empresa diz realizar essa parte do trabalho internamente. O acompanhamento da pauta regulatória pode ser considerado uma exceção nesse sentido, uma vez que em cerca de metade dos casos ela é conduzida de forma interna.
Por outro lado, para cerca de 85% dos respondentes, a interlocução com os agentes públicos, em especial os do Executivo e os de órgãos reguladores, ainda uma atividade chave do RIG, é feita majoritariamente pela equipe interna. Um dos poucos aspectos de divergência na visão de profissionais de empresas e dos respondentes que atuam em consultorias especializadas e escritórios de advocacia com essa área, diz respeito à interlocução com parlamentares. Cerca de três quartos dos profissionais de empresas dizem que realizam isso de forma interna, enquanto na visão dos consultores, pouco mais da metade se vale de recurso externo para essa missão. Também existem disparidades consideráveis de entendimento sobre a realização do trabalho de forma interna ou externa em relação à análise de riscos e a realização de treinamentos.
Já quando se olha para os dados obtidos de dirigentes de associações setoriais, os resultados variam, ora mais próximos aos das consultorias, caso da interlocução com os parlamentares; ora com os profissionais de empresas, caso dos treinamentos.
Novas temáticas
Quando questionados sobre os temas prioritários da área de RIG nas empresas, apenas cerca de 25% dos profissionais apontaram para as questões de interlocução com órgãos do terceiro setor e da sociedade civil organizada.
Percentual equivalente apontou a questão da responsabilidade social corporativa. É um número baixo, especialmente quando confrontado com o novo desenho da área e com as próprias preocupações dos seus gestores.
Pressões da sociedade em relação às áreas de atividade da empresa é um dos pontos de maior preocupação atual de acordo com os respondentes da pesquisa que atuam em empresas. E não é para menos. Hoje a sociedade civil está se organizando em diferentes frentes para defender os seus interesses. Com o advento do uso de ferramentas como as redes sociais na ação política, esses grupos conseguem multiplicar suas vozes de forma rápida e gerar um nível de barulho e pressão, que muitas vezes é desproporcional ao peso daquele grupo na sociedade.
Esse maior poder de “fogo”, dá a esses grupos muita voz ativa junto ao parlamento. A vantagem econômica dos setores empresariais organizados nem sempre é rápida e eficaz para contrapor essas vozes. E isso é algo que será cada vez mais necessário para os profissionais de RIG em empresas e entidades de classe. O contraponto não significa “brigar”, mas ter condições de sentar com eles (e com todos os outros grupos e atores da sociedade civil interessados naquele tema), para entender suas demandas e buscar compor uma solução, uma política que faça sentido para a sociedade como um todo, ou ao menos, para parcela relevante dela.
Um bom exemplo desse novo approach foi dado no Recife, no processo de desocupação do edifício Holiday. O antigo prédio, localizado no bairro de Boa Viagem, tinha 417 unidades e servia de moradia para mais de mil pessoas que viviam ali em situação precária, convivendo com uma série de irregularidades de engenharia elétrica e civil e que permitiriam à Neoenergia, concessionários de energia local, simplesmente cortar o fornecimento de eletricidade dos moradores e, de certa forma, “livrar” a sua responsabilidade.
Mas a estratégia institucional da empresa, capitaneada pela área de RIG, foi mais ousada: convencer as famílias a desocupar o prédio. “Foi emblemático porque ninguém imaginava que conseguiríamos desocupar”, lembra João Paulo Neves, superintendente de Relações Institucionais da Neonergia. Foi montada uma estratégia 360º, com interlocução com a prefeitura, os bombeiros e outras entidades que resultou na liberação do edifício sem disputas ou conflitos. “Nós transbordamos a nossa obrigação e passamos a fazer um movimento estratégico de desocupação do prédio – envolvemos todo mundo na ação. Se nós simplesmente cortássemos a energia, o que nos era permitido, corríamos o risco de gerar uma situação de conflito e isso teria reflexo em diferentes níveis para à empresa”, reforça o executivo da Neoenergia.
Para Helga Franco, gerente executiva de RIG da multinacional Nestlé, além de gerenciar stakeholders, é obrigatório abrir o negócio para a sociedade. Na empresa, existe uma área que trata da geração de valor compartilhado.
Isso torna o trabalho em parceria mais produtivo. A executiva relembra de casos frutos de ação coletiva da qual participou. Um deles, a Rede Rotulagem, traz um posicionamento tanto da indústria como de outras entidades do setor de nutrição para buscar políticas públicas que melhorem a informação nos rótulos dos alimentos, politica que está sob debate. A executiva também atuou, junto com um grupo de empresas, para estabelecer critérios e um sistema de monitoramento em relação aos compromissos firmados por elas em relação ao marketing responsável
para crianças.
Engajamento e gestão
Os gestores de RIG também enfrentam desafios na seara interna. Dois deles, mais proeminentes, são cruciais para o sucesso da área em qualquer negócio. O primeiro é estabelecer processos de gestão para a área, o segundo item apontado como mais desafiador no dia a dia da área, por quase a metade dos respondentes e atrás apenas do estabelecimento de uma interlocução sólida e transparente com agentes governamentais.
Apesar do boom vivido pela área de alguns anos para cá, o Brasil ainda vive um momento econômico delicado.
Em uma situação de normalidade, as empresas já vinham pressionando seus gestores para que cada real seja espremido ao máximo, que as áreas mostrem onde cada centavo foi alocado e provem o valor e o retorno gerado com
aquele recurso. A limitação de recursos para conduzir a atividade da área é apontada como uma preocupação relevante para cerca de 20% dos líderes da área nas empresas. Com o mercado difícil em muitos setores, essa pressão
aumentou muito, daí a importância de que os gestores de RIG possuam além de todas as qualidades inerentes à área, um bom entendimento sobre gestão de pessoas, projetos e orçamentos e, principalmente, tenham uma boa capacidade de execução, para fazer com que os projetos de interesse da empresa andem e possam ajudar a provar o valor da área, seja alavancando novos negócios e mercados; seja evitando, ou minimizando, mudanças de regras cujo impacto para o caixa da companhia pudesse ser negativo.
O outro pilar também diz respeito a um desafio relativamente novo (e abordado no Anuário ORIGEM), lidar com o público interno da empresa. Engajar os funcionários da empresa sobre o papel e a importância da área de RIG foi
citado por 46,5% dos respondentes com um dos maiores desafios do dia a dia.
Não é difícil entender o porquê disso. Embora as atividades da área já fossem exercidas e boa parte das empresas mantivesse um profissional de confiança em Brasília, esses temas não eram muitas vezes tratados de forma aberta e transparente dentro das empresas. Por consequência, as pessoas no ambiente corporativo pouco ou nada sabiam sobre o papel desempenhado pela área.
Para quem tinha algum conhecimento parco, essa falta de transparência talvez tenha ajudado a reforçar uma imagem de algo tratado nas sombras, como se a atividade estivesse ligada a algo errado ou fora da lei. Assim, não era difícil que quem não estivesse afeito ao tema criasse uma percepção ruim da área de RIG.
Apresentar de forma transparente e “vender” o trabalho da área dentro da empresa deve ser uma missão contínua.
Mesmo que a maior parte dos executivos de RIG nas empresas diga contar com total suporte da alta administração da empresa, mais de um terço deles também afirma que esclarecer à direção da empresa sobre as atividades de RIG
é um dos maiores desafios diários de quem está à frente da área.
Publicado originalmente no Anuário Origem 2019: “Além do governo”
Imagem: Freepik