Esse é um primeiro esboço, introdutório, de outros tantos que produziremos, acerca do Conflito de Interesses envolvendo agentes públicos e a iniciativa privada.
O tratamento de conflitos de interesses nas organizações é um elemento de suma importância para os Programas de Compliance e, certamente, você que está lendo esse artigo já tratou alguma questão interna envolvendo conflitos de interesses entre pares ou membros de uma organização. Questões de relacionamento amoroso ou familiar, colaboradores que vieram de concorrentes (ou foram trabalhar em um). Enfim, no mundo corporativo é um tema demasiadamente recorrente e é um tema que fica a cargo do Departamento de Compliance.
Em qualquer organização, pública ou privada, quando há priorização de interesses particulares em detrimento do interesse coletivo ou da organização a que o indivíduo pertença, é possível afirmar que o sujeito se afastou da conduta ideal e podemos identificar um CONFLITO DE INTERESSES, gerando assim, um nítido aumento dos riscos de Compliance para a entidade pública ou privada. É possível observar que há um desalinhamento entre o comportamento esperado do indivíduo e os princípios da organização a que ele pertence.
Melhor do que definir Conflito de Interesses, prefiro explicá-lo da seguinte forma:
- Ocorre Conflito de Interesses quando um sujeito prioriza um interesse privado ou particular dele (interesse secundário), em detrimento de um interesse (primário e coletivo) da organização pública ou privada de que ele participa de alguma forma;
- Ele assim age animado por motivos diversos, não necessariamente econômicos, mas normalmente relacionados a si mesmo ou a terceiros com quem possui algum vínculo de afinidade, parentesco ou amizade íntima, de qualquer natureza, ou até mesmo por espírito emulativo;
- Por vezes, o relacionamento que gera o Conflito de Interesses pode decorrer do próprio Relacionamento Profissional do sujeito com terceiros, constituído de forma pura ou com algum interesse espúrio já na sua origem;
- A caracterização do Conflito de Interesses não necessariamente precisa gerar consequências econômicas ou financeiras negativas, basta a repercussão negativa, politicamente incorreta, reputacional para a Organização ou para os próprios envolvidos.
Bem, mas o tema aqui é Compliance Público!
Então precisamos identificar como e quando as relações ou interações entre Agentes Públicos e a Iniciativa Privada merecem atenção. Normalmente, a “mídia” define essas relações como práticas de corrupção e, ao bem da verdade, não são. Ao menos nem sempre são ou só eventualmente configura a prática de corrupção.
Já, já, voltamos a falar de corrupção. Antes pretendo esclarecer que podemos dividir o CONFLITO DE INTERESSES EM ESPÉCIES:
Conflito de Interesses Potencial existe quando um agente tem poderes formais ou informais para tomar uma decisão em nome da organização, ou para participar de uma decisão (ou, ainda, para influenciar o agente que tomará a decisão).
É potencial, pois há um risco evidente se a decisão for tomada de modo a alcançar um interesse extra profissional do agente ou de terceiros, ao invés dos interesses da entidade. Assim, de fato, ainda não existe a decisão, ação ou omissão que concretize o conflito. Mas o Agente poderá vir a participar dela ou influenciá-la no futuro. É, ainda, um plano abstrato e hipotético, informado por razões, vínculos e características ostentadas pelo agente que autorizam essa desconfiança, medida em risco crítico.
Por outro lado, há o chamado Conflito de Interesses Real: é a concretização do risco crítico (antes potencial) e ocorre se o agente efetivamente tomou (ou frequentemente toma), participou (ou frequentemente participa) das decisões que priorizam interesses dele ou de outros indivíduos, distintos dos interesses da organização e, ainda, se o Agente influenciou as decisões ou ações (ou pode influenciá-las com frequência ou em decorrência de sua posição hierárquica ou de influência na organização). Essa figura, uma vez concretizada é que pode se aproximar da prática da corrupção.
O Conflito de Interesses Aparente, por fim, decorre de uma situação em que qualquer pessoa pode razoavelmente concluir que o agente não agiu com integridade no cumprimento de sua obrigação perante a organização e não tomou a decisão no interesse dela. Ou seja, decorre de um julgamento externo do ato, em função de aparências: laços de família, de amizade ou um relacionamento afetivo do agente com algum potencial beneficiado pela sua atuação. O interesse tanto pode ser patrimonial como extrapatrimonial, conforme possa ou não se expressar em valoração monetária. Pode também ser direto ou indireto, quando beneficia o próprio agente ou outra pessoa que ele assim deseje.
Assim, se, apesar da “aparência” de conflito de interesses, restar demonstrado que, na verdade, não houve nenhuma influência dos fatores antes indicados e que a decisão do Agente foi estrategicamente definida e autorizada pela organização ou pela legislação (especialmente em se tratando de agente público, que pratica atos administrativos vinculados), não há que se falar em conflitos ou mesmo em atos de corrupção.
É possível, então, concluir que o tema revela nuances que devem preocupar tanto a iniciativa privada, quanto as organizações públicas.
Na Lei n.º 12.846/2013, o legislador define como ato lesivo à administração pública, “prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada” (art. 5º, I), obviamente para que ele tome decisões que se distanciam dos interesses da administração pública. Essa prática pode gerar consequências civis e sanções administrativas para a iniciativa privada, além de sanções criminais para o indivíduo (pessoa física – corruptor ativo) que efetivamente praticou o ato.
E para o Agente Público?
Bem, se há um corrupto ativo (iniciativa privada), há um corrupto passivo (o agente público) em um ato de corrupção.
A legislação que trata do tema supramencionado é da década de 1940 (Código Penal). E, infelizmente, mesmo com a repressão em forma de criminalização, a prática ainda é constante.
Nosso legislador, então, também em 2013, na onda de regulamentações que priorizassem a conduta ética nas organizações, colocou em vigor uma legislação que trata do Conflito de Interesses envolvendo Agentes Públicos.
Isso porque não é raro que esses indivíduos tenham alguma espécie de relação ou ligação com a iniciativa privada que, por sua vez, tenha algum tipo de interesse na atuação desse Agente Público no órgão ou entidade pública que ele integre.
Assim, mais do que simplesmente criminalizar o conflito de interesses real, aquele risco concretizado, ou tratá-lo como Ato de Improbidade Administrativa, nosso legislador adotou critérios para a PREVENÇÃO DOS CONFLITOS DE INTERESSES, estabelecendo um regramento das situações que podem gerar conflitos de interesses a depender do momento em que tais situações se apresentarem: durante ou depois do exercício do cargo ou função pública.
No âmbito do Poder Executivo Federal, a Lei n.° 12.813, de 16 de maio de 2013 estabelece uma definição no artigo art. 3º (bem sucinta):
“situação gerada pelo confronto de interesses públicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo e influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública”.
A referida Lei n.º 12.813/2013 se destina, portanto, a identificar potenciais situações que podem minar a confiança objetiva que se tem nas instituições públicas, por conta da atuação subjetiva do Agente Público. Reforça, ainda, a ideia de que não são apenas motivações econômicas ou financeiras que o levam a se desviar dos objetivos institucionais, ao frisar que, o conflito pode ser caracterizado independentemente de lesão ao patrimônio público ou de obtenção de vantagem pelo agente público ou terceiro (cf. art. 4º, § 2º da Lei 12.813).
A quem se aplica?
A priori, pela leitura desavisada da Lei, parece que só se aplica essa definição de conflito de interesses aos Ministros de Estado, Ocupantes de Cargo de Natureza Especial (Ex. Secretário Executivo de um Ministério), Dirigentes de Autarquias, Fundações ou Empresas Públicas ou Sociedades de Economia Mista, Ocupantes de cargo ou emprego de Direção e Assessoramento Superiores (DAS 5 ou 6 – Ex.: Dirigentes de Agências Reguladoras). Mas o art. 10 estende a norma a todos os Agentes Públicos no âmbito do Poder Executivo Federal.
Dedicaremos as próximas edições desta coluna a tratar do tema Conflito de Interesses envolvendo os Agentes Públicos.
A Lei n.º 12.813/2013 criou uma Política de Prevenção do Conflito de Interesses e pressupõe a integridade da grande maioria dos Agentes Públicos, como forma de assegurar aos Agentes Públicos honestos, que permaneçam “fora do alcance das práticas de corrupção”*.
Além de definir e exemplificar o que a Legislação trata como conflito de interesses, no exercício do cargo ou depois dele, também abordaremos o conceito de Informação Privilegiada. Isso porque, no âmbito público ou privado, a posse dessas informações é de extrema relevância para a tomada de decisões.
O objetivo é contribuir para o conhecimento e, acima de tudo, auxiliar as organizações privadas a pautarem suas Políticas de Compliance e Integridade, tal qual e alinhadas à legislação, prevenindo o envolvimento das organizações em escândalos que tragam prejuízos reputacionais e financeiros, acima de tudo.
Nos vemos nas próximas edições! Até lá!
*Afirmação da CGU – Controladoria Geral da União, na Cartilha que integrou o material do curso sobre Prevenção e Resolução de Conflito de Interesses elaborado pela ENAP – Escola Nacional de Administração Pública, em conjunto com a CGU, in: https://repositorio.cgu.gov.br/bitstream/1/46635/1/Preven%C3%A7%C3%A3o%20e%20Resolu%C3%A7%C3%A3o%20de%20Conflito%20de%20Interesses%20%20-%20Manual%20do%20Participante%20%28ENAP%29.pdf.
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Imagem: unDraw