Se a “ética é a inteligência compartilhada a serviço do aperfeiçoamento da convivência”1; e compliance significa “agir de acordo com” uma norma; a ética empresta ao compliance o fundamento pelo qual devemos agir (ou deixar de agir) de determinada maneira, em busca do constante aprimoramento das relações profissionais.
A ética está um passo para trás, ela é o porquê há de fazer sentido abrir mão da “venda cinza” e, individualmente, deixar de bater a meta, perdendo bônus, em favor do coletivo, da construção de uma comunidade de negócios transparente.
Sendo de sua essência ser compartilhada, impossível se torna encontrá-la distante do debate. Falar sobre ética é, portanto, indispensável em um programa de compliance e muitas são as vantagens disso.
Vale partir da premissa que fundamentar uma norma fortalece o seu poder de convencimento e aumenta, sensivelmente, suas chances de produzir efeitos, de alcançar efetividade.
Muitas pessoas são movidas por missão. Instintivamente, o ser humano desde que aprende a falar quer saber: “por que?” É, por exemplo, visando a compreensão e o convencimento que uma sentença judicial deve sempre ser fundamentada, um projeto de lei é acompanhado de sua justificativa e um contrato dos seus “considerandos”.
Aliás, assim como o direito, que é incapaz de regular todas as relações sociais, o compliance deve ter a humildade de reconhecer sua incompetência neste tema, evitando modelos baseados exclusivamente em regulação, controle, fiscalização e punição.
Ao desistir de compartilhar inteligência e estimular o colaborador a raciocinar, aplicando sozinho os valores da empresa, esta acaba por sugerir que as boas práticas apenas ocorram em ambientes controlados, ignorando o fato de que a velocidade na evolução dos negócios será sempre maior do que a possibilidade de regulá-los e que, muitas vezes, o colaborador não terá sequer como se recordar de tantas normas.
Finalmente, onde quero chegar, fugindo de um perigoso pensamento binário, é que não se trata da luta das pessoas boas contra as pessoas ruins, mas, na verdade, de atribuir a determinados agentes a responsabilidade de promover o debate e a difusão de cultura de ética e compliance, para que pessoas, boas ou ruins, não tomem decisões equivocadas, muitas vezes acreditando que estão que agindo corretamente, ou em benefício da empresa, enquanto, de fato, estão desamparadas, enfrentando diversos conflitos ao decidir.
É aqui, na angústia da decisão, que, mesmo na ausência de norma ou fiscalização, o conhecimento da ética e dos valores pode trazer suporte ao colaborador e tranquilidade à empresa.
O advogado Márcio El Kalay é sócio e diretor de novos negócios da LEC (Legal, Ethics & Compliance). Formado em Direito pelo Mackenzie, é especialista em processo civil e mestre em Ciências Jurídico-forenses pela Universidade de Coimbra, em Portugal.
1. Cfr. Prof. Clóvis de Barros Filho, no 5º Congresso Internacional de Compliance, em 10.05.2017