Quando o assunto é Compliance, o alto nível de regulação torna o mercado de energia elétrica mais maduro do que a média de outros setores. O que não permite aos profissionais do setor baixar a guarda em momento algum.
Já se passaram quase 140 anos desde que a primeira planta de produção de energia e a primeira hidrelétrica foram inauguradas em terras brasileiras. Desde então, o setor passou por mudanças importantes por aqui, alternando períodos de total abertura para investimentos privados e estrangeiros, para outros de controle estatal quase que absoluto.
Entretanto, por décadas os aspectos centrais que regem o modelo de negócio do mercado de energia não mudaram de forma radical. Setor intensivo no uso de capital, o mercado de energia elétrica – seja na geração, na transmissão ou na distribuição, ainda é muito baseado – no mundo inteiro – num modelo no qual a empresa realiza investimentos pesados e, como contrapartida, recebe um período de concessão do Estado relativamente longo para explorar o negócio, trabalhando com taxas de retorno mais ou menos pré-estabelecidas em um mercado que sempre buscou a estabilidade e a previsibilidade (ainda que no Brasil, previsibilidade seja algo sempre mais desejável do que verdadeiro).
Altamente regulado, o mercado de energia elétrica é naturalmente complexo. No Brasil, a tudo isso, soma-se uma presença ainda bastante forte do Estado não só na regulação e na fiscalização, mas como “empresário”. A Eletrobras – estatal criada na década de 1960 para concentrar os esforços de investimento financeiro e a coordenação do setor nas mãos do Governo Federal – ainda responde, direta ou indiretamente, por cerca de 50% da geração e 25% da distribuição de energia elétrica. Gigantes como Itaipu Binacional (responsável por 30% da energia gerada no País), Furnas e CHESF, fazem parte do Grupo Eletrobras.
O modelo que serve de base ao mercado de energia atual remonta a 1995, quando teve início um processo de modernização dos marcos legais que regiam o setor até então, dando condições para que a iniciativa privada voltasse a atuar de forma mais pujante no mercado. É desse período que datam a aprovação da Lei 8.987/95, que passou a reger as concessões e permissões de serviço público; e a Lei 9.074/95, que regulamenta o novo modelo e instituiu a figura do produtor independente e do consumidor livre de energia elétrica. Para regular o mercado foi criada a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL); e, para coordenar a operação e a integração do sistema elétrico, o Operador Nacional do Sistema (ONS).
Em linhas gerais, o mercado de energia elétrica pode ser dividido em três grandes negócios: geração, transmissão e distribuição. Com o advento do mercado livre de energia, a comercialização é também considerada um quarto pilar por alguns especialistas, embora outros prefiram tratá-la como um pilar atrelado ao negócio da distribuição.
Cada um desses negócios depende do outro, o que torna esse mercado integrado, com seus atores interagindo o tempo todo. “A geradora vai acessar uma linha de transmissão, ou, em alguns casos pode repassar energia (diretamente para um cliente), passando por uma linha de distribuição”, exemplifica Adam Milgrom, advogado especializado na área de Energia do escritório Trench Rossi Watanabe. O ONS é o órgão responsável pela coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN) e pelo planejamento da operação dos sistemas isolados do país, sob a fiscalização e regulação da ANEEL. Já a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) é a responsável por fazer a coordenação e a compensação da energia elétrica negociada no mercado livre. “Temos muitas empresas que transitam pelo setor, mas não são do setor, mas que lidam com geradoras e comercializadoras”, explica o advogado do Trench Rossi. É o caso de grandes indústrias que pelo grande volume de energia consumida, opta por negociar ilateralmente a energia. São empresas do setor negociando com empresas transitando pelo setor.
Ainda que bastante complexo, os riscos de Compliance que afligem o setor energético não são muito distintos daqueles clássicos, que em gradações diferentes, afeta todos os setores da economia, como aspectos regulatórios, trabalhistas, relacionamento com agentes públicos, terceiros e proteção de dados, entre muitos outros.
Nesse particular, o Compliance no mercado de energia está num patamar superior à média do mercado no Brasil. Numa pesquisa sobre a Maturidade do Compliance, realizada em 2018 pela empresa de auditoria e consultoria KPMG, as empresas de energia – num processo autodeclaratório – tiveram resultados um pouco acima da média geral do mercado, com exceção do mercado financeiro. “Dentro das análises que fizemos, esse resultado se justifica pelo forte ambiente regulatório que rege esse mercado”, lembra Emerson Melo, sócio da área de Forensic da KPMG.
Para Alessandro Portinho, coordenador do Comitê de Auditoria, Riscos e Compliance da Fundação COGE, um centro de estudos mantido pelas empresas do mercado de energia, e também superintendente de Auditoria da Furnas Centrais Elétricas, o tema realmente vem ganhando mais força nos últimos anos dentro do setor elétrico, ganhando mais espaço nas discussões dos órgãos profissionais e em fóruns do setor. “Acredito que estamos vivendo um amadurecimento bem proveitoso”, diz o executivo.
Outro sinal de que o Compliance no setor elétrico, na média, está num patamar superior em relação a outros mercados, é o número de empresas do setor certificadas com o selo Empresa Pró-Ética, conferido pela Controladoria Geral da União às empresas que tiveram os seus programas de Compliance muito bem avaliados pela pasta. De 23 empresas que obtiveram o selo, sete são do setor de energia, incluindo nomes como CPFL, Neoenergia, Enel e a própria CCEE.
Claro que a régua é alta considerando a média de empresas. As muitas corporações internacionais que operam no Brasil sob as regras estritas de governança da Sorbanes-Oxley (SOx) e de outros normativos do mercado de capitais de diferentes países – incluindo as do Novo Mercado, da B3, onde algumas empresas do setor também tem papeis –, favorecem as boas práticas no setor. Individualmente, existem empresas que estão na vanguarda em relação ao tema (como as listadas com o selo Pró-Ética) e tantas outras que ainda não conseguiram (ou não investiram para tal) atingir um patamar adequado à realidade do setor. “Existe no setor elétrico, um bom número de atores relevantes que ainda tem práticas imaturas, do ponto de vista do programa de Compliance. Isso, mesmo com o Brasil já tendo apresentado seu potencial de riscos”, lembra Alessandro De Franceschi, advogado especialista de Compliance também do Trench Rossi.
Na ponta menos desenvolvida em termos de cultura de Compliance, podem ser inseridas muitas das empresas controladas pelo Estados e por entes federativos, que só recentemente passaram a dar atenção para o tema. No Norte, Nordeste e mesmo no Centro-Oeste, existem empresas energéticas que são públicas e, como tal, não precisam se sujeitar as regras de governança mais rígidas do mercado de capitais, ou ao escrutínio de sócios privados (em especial estrangeiros) sob a égide dessas legislações. “Nessas regiões, a empresa de energia, a distribuidora elétrica local, está entre as maiores empresas do estado e exercem (e sofrem) uma influência política enorme, mesmo nas privatizadas”, acredita Guilherme Lockmann, Sócio-Líder da área de Energia da Deloitte, empresa de auditoria e consultoria. Para ele, desde o governo do ex-presidente Michel Temer, é possível enxergar uma busca incessante dos agentes públicos para tirar a pecha da Eletrobras – controladora ou acionista de muitas distribuidoras no Norte e Nordeste do Brasil – de ser uma estatal influenciada politicamente.
Muito desse movimento recente das empresas controladas pelo Estado na busca por uma melhor governança é reflexo das exigências impostas pela Lei 13.303/16, a Lei das Estatais, que tem levado as empresas públicas a rever toda a sua governança. Entre as demandas da legislação estão o estabelecimento de mecanismos como canal de denúncias e que as empresas públicas tenham em seus quadros um Compliance Officer, e que esse profissional esteja subordinado a um diretor estatutário da companhia.
Regulação e relação mais intensas
Se os tipos de riscos de Compliance que impactam o setor de energia elétrica não diferem muito dos de outros mercados, a gradação de muitos deles sob as empresas do setor estão em níveis bem mais altos do que a média do mercado.
A regulação, por exemplo, é pesada. Isso faz com que o trabalho apenas para estar em conformidade com todos os requisitos e dispositivos exigidos pelo arcabouço regulatório do próprio setor seja muito árduo. “O cumprimento dos requisitos regulatórios impostos pelos órgãos reguladores é um dos grandes riscos de conformidade e das grandes preocupações que têm de ter lugar nas discussões”, pontua Emerson, da KPMG. “Diria que devido a grande regulamentação e fiscalização que existe no setor, os riscos relacionados às atividades críticas do negócio demandam o estabelecimento de controles internos eficazes ou medidas compensatórias a fim mitigar a exposição aos riscos”, reforça Alessandro Portinho, para quem essa é uma questão comum a todas as atividades que permeiam os processos do setor. O mercado de energia, em todas as suas frentes, demanda o uso intensivo de capital para a realização dos seus investimentos, que são planejados e realizados, com base nas premissas técnicas e econômicas dos projetos. Essas premissas são determinadas, quase sempre, pelo poder público responsável pela concessão para que a empresa explore o empreendimento. Como são projetos que envolvem valores altos e financiamentos de longuíssimo prazo, esse capital muitas vezes vem de fontes públicas, como o BNDES, o que por si só já traz um issue importante de Compliance, ainda mais hoje, em tempos de “abertura da caixa preta” do banco de desenvolvimento.
Mas seja na geração, na transmissão ou na distribuição, as empresas de energia operam sob uma concessão, uma autorização, ou uma outorga e, por ser um bem de necessidade pública, são negócios que exigem muita interação com o setor público.
Como é o poder público que determina as premissas econômicas dos empreendimentos, questões como prorrogação ou revogação de concessões, ou ainda, a revisão de regras e de modelos de remuneração previamente acordados, ou, como lembra, Adam, do Trench Rossi, a definição de um valor de indenização para fins de amortização do investimento realizado, é uma questão que é menos de Compliance e mais de ordem regulatória, pode gerar situações nas quais algum profissional ou a própria direção da companhia, possam querer buscar soluções ilícitas para melhorar (ou não ter piorada) as condições do seu contrato. “Se você tiver o relacionamento com o agente público, você vai correr esse risco abrindo negociação entre o público e o privado”, pontua Alessandro De Franceschi.
A capilaridade de atuação do mercado de energia, virtualmente em todos os cantos do Brasil, aumenta o nível de exposição ao relacionamento com o setor público. “São empresas com atuação em vários municípios, que além dos reguladores do mercado em nível nacional, tem que lidar com as prefeituras, câmaras e órgãos locais que vão defender os interesses políticos dessa região”, lembra o sócio da KPMG. Além disso, energia é uma questão de política pública e tratada pelos brasileiros como um direito. Guilherme, da Deloitte, aponta que um dos motivos para os elevados níveis de perda não técnica de energia – como o famigerado gato, como é popularmente conhecida a ligação ilegal de energia – é cultural. “Para o brasileiro a energia é um bem essencial, um direito universal. É como se todo mundo tivesse que ter energia, assim como ninguém deveria passar fome. Só que ninguém se lembra de que isso tem um custo”, reforça. Para se ter uma ideia de como essa questão é impactante, pense que enquanto mercados mais desenvolvidos falam em redes inteligentes de energia, no Rio de Janeiro, a Light, concessionaria de energia da cidade, tem 35% de perda de energia por conta de roubo. Isso faz com que a empresa precise comprar das geradoras quase 50% a mais de energia em relação ao que ela efetivamente recebe pela venda do serviço. É algo realmente de outro mundo.
Peculiaridades de cada negócio
Cada um desses negócios também tem características e peculiaridades que os torna únicos, ainda que dentro do contexto do mercado de energia. No processo de geração, por exemplo, que engloba a construção das grandes hidrelétricas em geral, contrata-se uma empreiteira para tocar obras de grande porte. “Genericamente falando você está falando de contratação de empreiteiras que maior ou menor grau terá interação com o setor público”, lembra o Diretor Jurídico de Compliance e Auditoria da AES Brasil, Carlos Pompermaier.
É preciso olhar de perto e com atenção todo o processo de gestão de terceiros, identificar se não existem conflitos de interesses, todos os aspectos ambientais e trabalhistas… Isso sem falar que antes de tudo isso, é preciso vencer a concorrência numa licitação.
De quebra, como são investimentos realmente vultuosos, não raro essas empresas contam com diversos acionistas, que acabam tendo diferentes graus de influência nas decisões. Tudo isso precisa ser mapeado para discussão com a alta administração. Tido como o negócio de menor risco dentro do setor energético, a área de Transmissão demanda atenção muito mais a questões relacionadas com a manutenção da operação, como a questão fundiária. “Na hora em que você precisar fazer manutenção, ou lidar com um desastre natural, às vezes você precisa entrar numa área que é privada, ou passar por ela. É preciso estabelecer um bom nível de relacionamento com quem está no caminho da linha”, diz Guilherme. Mas, a questão fundiária no negócio de transmissão traz outra implicação importante. De quem estou adquirindo ou arrendando a terra? “É preciso saber se aquela área pertence a uma pessoa politicamente exposta (PEP), se é terra grilada, demarcada, se os registros estão corretos”, lembra Emerson Melo.
Já no processo de distribuição, os riscos são mais amplos, dada a natureza do negócio, que envolve um maior número de pessoas, lida com prestadores de serviços de diferentes níveis educacionais e tem na ponta, o desafio de lidar com um enorme número de clientes, de grandes indústrias até consumidores residenciais. Nesse cenário, a adequação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) terá um peso muito maior sobre as empresas desse setor. Nesse caso, empresas de origem europeia principalmente, que já tem uma visão mais avançada sobre o tema em função da GDPR, a rígida legislação de proteção de dados pessoais do velho continente. “São empresas que já tem visão global de Compliance, que abarca não só anticorrupção. Legislações como a GDPR e a LGPD, por exemplo, estão sendo tratadas de forma bastante proativa nessas companhias”, conta Guilherme, da Deloitte. Os riscos ligados a cyber- segurança também estão cada vez mais em evidência no setor. Uma pesquisa realizada com mais de 1000 CEOs de empresas energéticas em 11 países, mostra que para 59% deles, especialistas em cyber-segurança representam a nova função mais importante para a empresa. “Os níveis de defesa e prontidão cibernética variam em todo o setor, mas é fundamental que as organizações tomem as medidas necessárias para proteger seus sistemas ou se arrisquem a se tornar alvo de ataques potencialmente incapacitantes”, afirma Regina Mayor, chefe do Setor Global de Energia e recursos Naturais da KPMG nos EUA.
Outro risco importante na distribuição, e que tem também implicações políticas, diz respeito aos processos de relacionamento comercial com clientes que lidam com serviços essenciais, como hospitais ou prédios públicos. “Imagina se, por falta de pagamento, essa empresa encerra o fornecimento de energia para um hospital sem gerador?
Até que ponto isso pode impactar a reputação da empresa e como elas estão captando as particularidades de cada cliente também são aspectos a serem levados em conta”, acredita Emerson, da KPMG.
Mais estrangeiros emergentes
O capital estrangeiro está presente no mercado de energia brasileira desde o seu início. Empresas norte-americanas e europeias estão, há tempos, operando no País com posições de destaque, especialmente nos mercados do Centro-Sul do Brasil. Mas, recentemente, um novo grupo de estrangeiros, como indianos e, especialmente, chineses, tem demonstrado muito apetite pelo setor no Brasil. Os asiáticos têm investido em várias frentes de negócios tradicionais, como linhas de transmissão, até no emergente mercado de energias renováveis, com investimentos em grandes parques de energia solar. A China é hoje, aliás, o principal fabricante de placas de energia solar do mundo, o que lhes dá uma grande vantagem competitiva nesse mercado.
A chegada dessa turma nova traz também um novo caldo, com alguns conflitos de cultura. As empresas chinesas trazem para o mercado um apetite para o risco muito elevado e uma visão diferente de Compliance para o setor.
“Não digo que está certo ou errado, mas é diferente”, pontua Guilherme, da Deloitte. Para Adam, advogado do Trench Rossi, é preciso mostrar os tipos de riscos que os atingem. “Pelo menos na nossa experiência, eles sempre se demonstraram interessados em entender”, conta. Para as empresas que vão fazer seu primeiro negócio por aqui, é preciso passar mais detalhes de cultura, porque existe um choque de cultura e de regulação. “Já tivemos clientes que desistiram e outros que foram para frente mesmo sabendo do risco envolvido”, emenda Adam. Nos casos em que a empresa já está estabelecida no Brasil, aí as coisas ficam um pouco mais fáceis, até porque muitas vezes têm brasileiros atuando nessas empresas. Mesmo assim, Alessandro, também do Trench Rossi, concorda que, no geral, os chineses (como acontece em vários mercados e países) têm um apetite muito grande para risco. Mas, ao menos um especialista do setor, disse, sob condição de anonimato, que, na verdade, os chineses simplesmente “ignoram o Compliance”.
Assim como o Brasil, a China tem uma Lei Anticorrupção e diversas empresas chinesas estão colocando cláusulas em seus contratos para que seus fornecedores cumpram questões anticorrupção.
“Dado que a lei chinesa é tão nova quanto a nossa, existe uma jornada de transformação cultural e de governança por lá igual a que nós ainda vivemos”, pontua o sócio da KPMG.
O impacto da tecnologia
Assim como em vários outros setores, o mercado de energia está sendo desafiado pela tecnologia e pela evolução de modelos com alto potencial disruptivo.
É uma questão global, muito mais avançado em mercados desenvolvidos, mas, que traz à tona o desafio de adequar a rígida e pesada regulação que costuma reger o setor, que como já foi dito, há tempos tem o seu modelo de negócios baseado na estabilidade e na previsibilidade. A versão de 2019 do Power & Utillities Outlook, um relatório de tendências para o setor de energia nos Estados Unidos assinado pela Deloitte, diz que as estruturas regulatórias estão demorando para recuperar o atraso. “Se as concessionárias de energia não estiverem posicionadas para capturar valor a partir da mudança em direção a recursos de geração de energia distribuída, como energia solar nas lajes e cobertura, armazenamento de bateria, veículos elétricos, termostatos e aparelhos inteligentes, as empresas do setor correm o risco de perder receita”, diz o estudo. A geração distribuída é uma figura nova no mercado brasileiro e designa formas pela qual o consumidor particular, inclusive o consumidor residencial, poderá aderir à geração distribuída, instalando um painel solar na sua casa e integrando essa capacidade de geração à rede da distribuidora. “Com isso, o consumidor gera energia e usa isso para abater o custo do seu consumo de energia com a distribuidora”, explica Adam. Essa nova forma de interação com as distribuidoras vem sendo regulada desde 2012 e vai passar por um novo processo afora. “Um dos nossos sócios (na Deloitte) deixou claro que no futuro, você pode pagar zero pela energia. E não é que não tem custo atrelado. É porque você vai ser um micro-gerador”, explica Guilheme Lockmann.
Além disso, mesmo no caso das fontes de energia renováveis que vem sendo incorporadas mais recentemente à matriz elétrica do País, trazem novos desafios regulatórios para o Estado e o mercado, e consequentemente, novos desafios de Compliance, uma vez que o número de novos atores participando desses mercados relativamente novos é considerável. “O avanço de novas fontes de energia e o crescente aumento destas relações entre os agentes do setor podem resultar em mais riscos dado a maior necessidade de regulamentação”, acredita Hélio Ito, gerente de auditoria, Riscos e Compliance da companhia energética CPFL. Além disso, nem todos os novos atores desse mercado trazem uma visão sistêmica de risco e Compliance nos seus negócios.
O Brasil ainda está atrasado em relação aos países desenvolvidos, mas essa realidade vai chegar aqui e será preciso discuti-las de forma transparente. Porque o universo de possibilidades que se abre é enorme, bem como o impacto sobre as empresas de energia e os seus consumidores. As novidades abrem caminho para novos modelos de negócios para as concessionárias, mas também estruturas de mercado nas quais novos atores não tradicionais podem entrar no mercado. Empresas podem vender cotas de investimento em fazendas de energia solar e eólica, que podem resultar em créditos para as contas de energia de empresas ou residências; ou você poderá ter cooperativas de pequenos geradores de energia solar, que vão comercializar o excedente de energia gerada com comercializadoras
de energia limpa.
Segundo o relatório da Deloitte, essa combinação de oportunidades e aumento da concorrência é muito diferente do modelo tradicional de negócios de serviços públicos. Mesmo nos Estados Unidos, muito mais avançado nas novas possibilidades do mercado energético, a consultoria não espera que o modelo tradicional de obter o lucro a partir de uma taxa regulada de retorno sobre os ativos deixe de existir.
Mas os consultores da empresa veem o surgimento e o rápido crescimento de alternativas impulsionadas por um mercado cada vez mais competitivo. E, frente a esses desafios, o tradicional modelo regulatório do setor, baseado na recuperação de custos e na taxa permitida de retorno dos investimentos, muitas vezes, não incentiva a inovação.
Compliance na cadeia do setor
A atenção aos riscos de terceiros é dos tópicos mais comuns aos profissionais de Compliance de qualquer setor da economia. Na área de energia elétrica, esse risco também é grande e permeia todos os negócios do setor elétrico, dentro da peculiaridade de cada negócio.
Até porque a cadeia do setor é extensa e heterogênea. De megacorporações que fornecem turbinas, novas companhias chinesas que fornecem placas solares, empresas que sequer tem operação no Brasil, até prestadores de serviços de manutenção de postes e podas de árvore, no caso das distribuidoras.
No caso da geração de energia, Carlos Pompermaier lembra que o risco não está na venda da energia, mas no que é feito para gerar a energia. “O risco é na mão contrária, quando eu tomo serviço ao invés de quando eu vendo”, explica ele. Mesmo na venda via mercado livre, onde o objetivo é vender pelo maior preço possível no mercado, existem padrões de referência e controles que permitem a empresa identificar um contrato fora dos padrões. É um mercado mais difícil de ser burlado. Os contratos são públicos e estão à disposição no sistema do CCEE, que organiza
o mercado de energia livre. Já na hora de contratar serviços, a figura muda. “Você tem empreiteiras, consultores, projetos de expansão, intermediários que nos apresentam negócios, escritórios de advocacia, despachante aduaneiro.
Tudo que tenha alguma forma de interação com o poder público ou que tendo uma via para pagar propina, fazer mau uso de recursos e que tenha intermediação de negócios, oferece risco”, emenda o diretor da AES.
Um elemento importante e também comum a todos os mercados é o recente movimento no qual as grandes empresas pressionam os seus fornecedores – inclusive os de menor porte exigindo deles programas de Compliance bem estruturados. “As empresas têm um desafio constante, porque não adianta só ter uma cláusula no contrato. O próprio setor vai ter que se desdobrar para avaliar se o Compliance está funcionando”, lembra Guilherme Lockmann.
Nesse caso em particular, a Eletrobras tem exercido um papel importante, embora muito mais limitado que o da Petrobras no setor de óleo e gás, até porque a estatal petrolífera funciona em muitos aspectos como um monopólio, enquanto a Eletrobras é um ator importante no mercado, que está correndo para melhorar a sua governança, mas que não tem o mesmo grau de interferência no setor. A Petrobras também sofreu mais com a corrupção, com muito problema em terceiros, e por isso também evoluiu mais rapidamente nessa questão.
Imagem: Freepik