Com novas ferramentas e plataformas disponíveis no mercado, o Compliance para PMEs está cada vez mais possível e acessível.
O Brasil é um País que impõe muitos desafios para as pequenas e médias empresas (PMEs), como burocracia excessiva, legislações complexas nas áreas tributária e trabalhista, informalidade em muitos mercados etc. Somado a isso, há sempre certa turbulência nas questões políticas e econômicas que geram incertezas sobre investimentos e afins. Por isso, não é de se estranhar que um tema relativamente novo no Brasil, como o Compliance, ainda não seja de domínio desse público. Mas, dada a natureza dos negócios por aqui e o discurso público e comum de que a corrupção é o grande mal do Brasil, os dirigentes das PMEs vão ter de se virar para incorporar os temas de Compliance de forma cada vez mais efetiva a agenda de negócios da empresa.
Na prática, embora adotar normas de conduta mais rígidas ajuda a mitigar os riscos de problemas de toda ordem, como corrupção, assédio ou fraudes, a maior parte das PMEs tem passado a olhar com mais atenção para os temas de Compliance no contexto dos seus negócios por uma série de fatores que vão sendo impostos a realidade deles. E isso faz com que nem sempre o assunto chegue a eles da forma clara e coerente com a realidade do seu setor de atuação e, mais especificamente, do seu negócio. “Infelizmente, o assunto foi tratado de forma equivocada por muitos, transformando-o em algo complicado, caríssimo e que só seria aplicado para grandes corporações. Isso não é verdade, e configura-se como um ‘desserviço’ para o Brasil, dando argumentos falaciosos para aquela minoria faminta de continuar usufruindo de práticas indevidas”, explica o sócio e diretor Técnico da Compliance Total, Wagner Giovanini. Claro que, como em todo o mercado que oferece grandes oportunidades, muita gente aparece. Nem todos com a melhor das intenções, ou até mesmo, com as condições de oferecer algo realmente correto. “Em muitos casos, o pequeno empresário é iludido por alguém com discurso fluente, porém, sem a requerida experiência. Cada empresa precisa de uma solução customizada. É preciso investir em um Compliance estruturado, de forma adequada à natureza da organização”, enfatiza o especialista.
Não é caro, muito menos inviável.
O primeiro aspecto que precisa ser desmistificado é, justamente, a de que o Compliance é algo apenas para as grandes corporações, que movimentam cifras bilionárias, realizam grandes obras ou têm negócios vultosos com governos. Como lembra a sócia da D&R Gerencial, Flávia Rapozo, não há como se falar em um ambiente de negócios íntegro no País sem envolver as PMEs, que representam a maior parcela de empresas brasileiras. E, em números, perfazem a maior parte da base de fornecimento de produtos e serviços para o poder público.
Na atual conjuntura, ter ou não ter um programa de Compliance pode fazer toda a diferença no crescimento ou no fracasso do próprio negócio. “A exigência por parte de órgãos públicos, visto que alguns estados e municípios já possuem legislação específica determinando que as contratações sejam realizadas com empresas que possuem programas de integridade, é um fator que pode contribuir para impulsionar o engajamento das PMEs”, diz Flávia. Na mesma linha, a diretora executiva de Riscos e Compliance na ICTS Protiviti, Heloisa Macari, lembra que empresas consideradas micro e pequenas têm vantagens em alguns processos licitatórios, mas devem contar com um programa implementado ou em fase de implementação, a depender do estado ou do município em questão (alguns entes federativos concedem um prazo para a implementação após a empresa ser declarada vencedora da licitação, por exemplo). “As PMEs precisam estar inseridas dentro da temática da jornada de ética e de Compliance, porque não estar significa ficar de fora do mercado”, explica a executiva da ICTS Protiviti.
Mas é da própria iniciativa privada que vem hoje o maior incentivo (leia-se pressão) para que as PMEs tenham o Compliance efetivamente instalado nas suas empresas. As grandes empresas, que têm uma série de PMEs como fornecedores e parceiros de negócios, têm exigido mais e mais cláusulas relativas à Compliance dos seus parceiros, e a depender do nível de risco e exposição que o fornecedor oferecer à empresa, ele não terá como escapar de implementar um bom programa na sua companhia, a não ser que queira abrir mão do cliente. “Recebemos muito mais demanda de pequenas empresas em função da pressão do mercado, de clientes exigindo o Compliance dos seus fornecedores”, reconhece Heloisa. É por isso que a primeira interação entre PMEs com empresas de consultoria especializada costuma ser o aconselhamento sobre como montar o código de conduta da empresa, o que não é algo tão difícil de construir, a partir de referências e de uma análise dos gaps da companhia. Também não é algo com um custo tão elevado. Mas, como lembra Heloisa, as PMEs têm é que investir o tempo da sua liderança para buscar entender compreender quais são os seus riscos e os riscos dos seus negócios.
O sócio de Ética e Compliance da GRC Solutions, André Almeida, defende que as empresas de todos os tamanhos devem estar em Compliance. O que acontece, muitas vezes, é que as empresas menores têm alguma dificuldade na implantação de programas de Integridade por esbarrarem em custos altos para contratação de profissionais e ferramentas especializadas para as atividades de Compliance. Hoje, o quadro é diferente. Se há pouco mais de três anos era muito difícil encontrar profissionais preparados, hoje o cenário está menos pressionado do ponto de vista salarial, em especial se a empresa pode se dar ao luxo de contar com um profissional que tenha qualificação técnica, mas pouca vivência prática na área (uma vez que a operação de Compliance será adequada à realidade e à complexidade daquela pequena empresa). “O aumento no número de profissionais especializados e ferramentas de suporte traz uma onda de acessibilidade financeira para a implementação de um programa de Compliance efetivo. Antes de 2015, por exemplo, era muito difícil falar sobre a criação de um código de conduta para uma empresa pequena”, lembra Almeida
Um Compliance estruturado, ainda que de forma simples, já é um diferencial competitivo para ser fornecedor e/ou parceiro comercial de grandes empresas, poder público e organizações internacionais. O código de conduta e o canal terceirizado são com certeza itens fundamentais para empresas que pretendem ter relacionamento com essas entidades. Atualmente a empresa que não tem esses dois pontos estabelecidos pode deixar grandes oportunidades comerciais escaparem por não estarem adequadas à evolução e as novas exigências do mercado.
Estrutura adequada, mas profissional
Do ponto de vista das ferramentas de Compliance, nenhuma ilustra tão bem a maior acessibilidade que existe hoje no mercado do que o canal de denúncias independente. Por isso mesmo ele é, após o aconselhamento para criação do programa em si, a ferramenta mais buscada pelas PMEs. É um avanço e tanto. Heloisa, da ICTS Protiviti, acredita que o aumento na busca por serviços de canal de denúncia independente se deva ao fato de que a ferramenta é simples, externa e que não demanda especialização dentro de casa, uma vez que as próprias empresas que operam a ferramenta podem ajudar na investigação da denúncia caso ela seja realmente grave.
Não raro, até bem pouco tempo atrás, era comum em apresentações que falavam sobre a importância do Compliance em uma empresa pequena, ouvir-se que era possível começar o seu canal de denúncias com uma caixa de sugestões alocada em algum ponto da fábrica, ou mesmo um e-mail (dedicado, mas ainda assim interno). Definitivamente, isso não funciona. Felizmente, hoje uma série de empresas passou a oferecer soluções de canais de denúncias independentes, com mais ou menos serviços agregados e que podem ser adequadas ao porte e ao bolso de pequenas empresas. “Nesse sentido, o fato de ter um canal de denúncias e uma política de consequências para qualquer ato ilícito que venha ferir o código de conduta da empresa, pode reduzir muitos casos corriqueiros em pequenos negócios que ainda são dependentes dos chamados profissionais de confiança, que em muitos casos são pivôs de favorecimento a fornecedores, conflitos de interesse, fraudes e outros atos que impactam na lucratividade das organizações”, lembra Flávia, da D&R.
Na GRC Solutions, por exemplo, há um canal de denúncia por modalidade de contratação de franquias de utilização e sob demanda. Com essa ferramenta é realizado um serviço eficiente e seguro para captação e tratamento de denúncias nas empresas de forma terceirizada e, portanto, com independência. A ferramenta oferece às PMEs a mesma estrutura – sistema, metodologia e atendimento – que as grandes empresas utilizam, mas com custo aderente à realidade de uma empresa menor. “O que muda é a modalidade de contratação e a utilização”, explica Almeida, que ressalta que há planos disponíveis por menos de R$ 500 por mês, com franquia definida para se adequar às reais necessidades do negócio.
Por exemplo, enquanto uma grande empresa, com operações em vários países, pode precisar de um atendimento em diferentes plataformas, com atendentes e sistemas que operem em idiomas diferentes, que tenham que estar acessíveis num regime 24/7 e para dar conta de atender a 20 mil funcionários, por exemplo, é óbvio que esse custo será proporcional ao tamanho da estrutura. Mas para uma pequena empresa, que opera em um único prédio, com 200 funcionários, é possível contar com um canal de denúncias que pode rodar, via telefone, em horário comercial, e 24/7 na plataforma web, por exemplo, por um custo mensal muito razoável. Pensando nessa adequação, a D&R desenvolveu uma ferramenta low cost para atender à necessidade das PME, por meio do Canal da Integridade, no qual as empresas poderão obter os benefícios da terceirização do Canal de Denúncias.
A abertura de um canal de denúncias terceirizado tem sido uma grande vantagem para empresas, mas é importante lembrar que ele não funciona se só receber as denúncias. É preciso dar a elas o tratamento adequado. Um canal de denúncias independente deve oferecer todo um serviço de processamento de denúncia, que pode ser mais ou menos sofisticado de acordo com as especificidades de cada cliente, mas que precisa ser feito. “Se a empresa não tiver conhecimento dentro de casa se a denúncia faz sentido ou não, você a supre com esse serviço. E, se a empresa não souber como apurar, existe gente especializada em apurar essas denúncias, para que no final, a tomada de decisão que é da empresa possa estabelecer se o fato da denúncia é ou não permitido e avaliar as consequências adequadas a cada situação”, pontua a diretora da ICTS Protiviti.
Também é preciso considerar que para funcionar a contento é necessário que o código de conduta preveja e divulgue as políticas para os funcionários em relação ao uso do canal de denúncias, além de um esforço no treinamento e campanhas de incentivo para a adoção da ferramenta por toda a empresa. Do contrário, os funcionários acabam por não relatar assuntos e temas sensíveis temendo retaliação, em especial quando não têm a oportunidade de realização de denúncias anônimas.
Passos mais largos
Além do código e do canal, as PMEs já começam a acessar as consultorias especializadas em busca de orientação sobre o que fazer após a implementação do programa. Uma coisa que agente percebe, além do código e do canal, é uma orientação do que fazer após ter os elementos mais básicos implementados. A própria CGU tem uma orientação específica para PMEs de como estabelecer o programa. “A informação sobre como montar chega. O difícil é entender como executar o programa, como fazer a gestão do dia a dia. Posso até entender onde estão os meus riscos – numa licitação, numa compra, na contratação de um serviço –, fazer uma análise de mídia negativa… O problema é: o que fazer ao se deparar com um fornecedor em lista restritiva”, questiona Heloisa.
Para as PMEs que precisam, ou queiram, dar um próximo passo, existem plataformas de gestão do programa de Compliance, caso da Compliance Station, criado pela Compliance Total de olho nas necessidades de uma PME. De acordo com a consultoria, por um valor acessível à realidade de cada empresa o sócio da Compliance Total diz que a plataforma dispensa a necessidade de consultor e gera todos os elementos definidos pela legislação anticorrupção brasileira, de forma customizada para o usuário para todas as atividades de Compliance no cotidiano da empresa. Para Giovanini, existem várias soluções para esse mercado, porém, é preciso buscar aquelas que funcionam efetivamente. “Qualquer empresa, inclusive as PMEs, precisa de uma solução que funcione na prática e não algo para ‘cumprir tabela’. Investir R$ 200 apenas para dizer que tem algo é o mesmo que jogar essa quantia no lixo, pois esta ferramenta, prática ou solução não trará benefício algum, configurando-se em perfeita inutilidade”, alerta. “O preço jamais pode ser condição única na avaliação de um produto de Compliance. Há certos requisitos técnicos necessários de serem atendidos, para gerar o benefício esperado”, emenda o sócio da Compliance Total.
O movimento de inclusão das PMEs no ambiente de Compliance é um grande avanço para o Brasil. Empresas que antes nunca tinham refletido sobre esses temas com seus funcionários e terceiros, agora, enxergam a importância de estabelecer critérios mínimos de um Programa de Compliance. “Os bancos estão adotando critérios para concessão de crédito e juros mais atrativos para empresas que possuem Compliance; as seguradoras não são diferentes, pois podem utilizar taxas diferenciadas em seus seguros. Há até um exemplo interessante merecedor de citação, que é a Resolução No 443 da ANS: empresas de planos de saúde poderão pleitear um abatimento significativo no seu “capital regulatório”, caso atendam aos requisitos, que incluem o Compliance. Mas, para a PME, há outro efeito colateral positivo: o Compliance impulsiona a empresa para a sua profissionalização, dando-lhe maiores condições para o seu crescimento, melhoria na gestão e na sucessão de empresas familiares etc.”, finaliza Giovanini.
Publicado originalmente na revista LEC nº27, “Sem mais desculpas”.
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