Que os Programas de Integridade são uma constante que se avoluma nas grandes organizações, mormente naquelas que têm uma lida diária com órgãos do Poder Público e estão de alguma forma incentivadas pela Lei Anticorrupção, é fato. Mas e quando a protagonista de tal empreitada é uma empresa familiar, que, nada obstante, optou por um modelo de governança corporativa? Os mecanismos de compliance são realmente essenciais?
Para aprofundarmos na questão, mister consignar que a grande dificuldade das empresas familiares é a transição de uma geração para a seguinte e tal pode estar relacionada ao fato de que, com a mudança na gestão, alguns valores tendem a ficar esmorecidos e, outros, até serem deixados de lado.
Nesse cenário, um sistema de governança corporativa pode contribuir sobremaneira, já que as boas práticas desse mecanismo de gestão visam, especialmente, o bem comum e alinhamento de interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico da organização a longo prazo, contribuindo para a sua longevidade, o que se dá, primariamente, com a observância irrestrita das conformações legais e de conduta.
Ainda que não seja obrigatória do ponto de vista da Lei Anticorrupção, em decorrência de determinada atividade, como alhures provocado, é altamente recomendável a instituição de uma área na empresa de família dedicada ao compliance. Um Programa de Integridade implantado de forma correta e eficaz certamente renderá bons frutos já que contribuirá para a perenidade dos negócios à medida que instituir políticas e procedimentos voltados à separação dos interesses da família, como entidade, e seus membros, enquanto administradores do negócio.
Além da conformidade legal propriamente dita, o compliance officer de uma empresa familiar deve se ater aos valores e princípios que orientaram o negócio quando da sua fundação, evitando que os mesmos se percam ou deixem de receber a devida atenção das gerações vindouras, expressando-os no Código de Conduta da organização. Sempre com o cuidado de focá-los nos objetivos do empreendimento, deixando elementos pessoais que envolvem os herdeiros gestores aos cuidados específicos de outros mecanismos jurídicos, se for o caso.
Então, os desafios do profissional de compliance em uma empresa familiar certamente serão inevitáveis, sobretudo no início da implementação de medidas de controle e mitigação de riscos — justamente por ter que lidar com conflitos de interesse, às vezes, muito enraizados como cultura dos proprietários, que se sentem os “donos” do negócio, já que estes podem não considerar a real utilidade e importância de tal mecanismo de governança. Portanto, o trabalho de conscientização e treinamentos será mais árduo, o que reforça a essencialidade da matéria.
Desse modo, indubitavelmente, a empresa familiar que se atenta à importância do tema e institui mecanismos de conformidade, elegendo um executivo para cuidar da pasta, despontará no mercado com um diferencial que agregará ainda mais valor ao negócio e que contribuirá para a sua longevidade sem que perca a essência e permaneça competitiva.
Daniel Marques da Silva é coordenador jurídico e compliance officer da Casa Rena S.A., uma rede de supermercados e empresa familiar.