No segundo artigo da Série Crypto-Enforcement, vamos discutir questões emergentes de compliance no campo das sanções econômicas internacionais (Economic Sanctions Compliance), e, em especial, as sanções impostas pelos Estados Unidos, envolvendo empresas do Brasil e América Latina que atuam no mercado de criptoativos.
Quando se fala em sanções econômicas impostas pelos EUA, na verdade se está falando sobre as sanções estabelecidas pelo Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro dos EUA. Neste contexto, a OFAC enfatizou recentemente o “papel crítico” que os profissionais de compliance desempenham no combate à evasão das sanções impostas pelo Governo Americano.
Conforme restará claro ao final deste artigo, com o crescimento exponencial do mercado de criptomoedas no Brasil, bem como com o significativo aumento da complexidade regulatória relacionada às sanções internacionais desde a invasão da Rússia à Ucrânia – em que não apenas os EUA, mas o Reino Unido, a União Europeia e outros reguladores adicionaram novos alvos e novas sanções econômicas ao seu arsenal –, os esforços de compliance das empresas, inclusive brasileiras, devem aumentar em ritmo semelhante.
O Regime de Sanções Econômicas dos Estados Unidos
Quando se fala no regime de sanções americanas, uma das principais fontes de risco para o mercado de criptoativos surge dos regulamentos da OFAC. A OFAC estabelece e aplica sanções econômicas com base na autoridade do Presidente dos EUA. A OFAC tem usado essa autoridade para proibir pessoas e empresas americanas de se envolverem em transações com, por exemplo, indivíduos em tese ligados ao terrorismo ou ao tráfico de drogas, bem como pessoas e empresas localizadas em países como o Irã, Síria e a Coréia do Norte. Mais recentemente, desde 2014, quando da tomada pela Rússia da região da Crimeia na Ucrânia, a OFAC tem usado sanções para proibir certos tipos de transações com autoridades e empresas russas – movimento apenas intensificado com a invasão à Ucrânia no corrente ano.
De modo geral, as sanções da OFAC também proíbem transações de dólares americanos com entidades sancionadas, porque essas transações muitas vezes são feitas através de bancos americanos. A OFAC aplica suas sanções através de multas e outras penalidades civis e administrativas.
Entretanto, violações intencionais das sanções da OFAC, incluindo a evasão de sanções, também podem ser um crime federal nos EUA. O Departamento de Justiça (DOJ) americano utiliza do direito criminal para processar empresas e indivíduos por violarem as sanções da OFAC, com penalidades que podem incluir multas e até mesmo tempo de prisão.
Mas não só. Como a jurisdição americana para processar empresas e pessoas que violem o regime de sanções pode ser justificada de forma bastante abrangente, incluindo situações em que o “US Nexus” (“Nexo causal com os EUA”) se dá apenas pelo fato de que partes de eventuais transações foram processadas por bancos americanos, movimentações financeiras envolvendo o produto de violações das sanções também podem levar a acusações de lavagem de dinheiro. Em vários casos recentes, os promotores americanos acusaram criminalmente indivíduos e entidades por violarem as sanções econômicas impostas pelo governo americano, bem como utilizaram destas violações como justificativa para confiscar os bens das partes sancionadas.
Ações de Persecução Recentes Realizadas Pelas Autoridades Americanas
Nos últimos meses, após a recente invasão da Rússia contra a Ucrânia, a OFAC tem sido particularmente ativa na imposição de punições por violações às sanções econômicas contra empresas que operam no setor das criptomoedas. Tal coincidência pode ter a ver com o ponto de vista de alguns líderes políticos dos EUA de que os oligarcas russos poderiam estar usando o mercado de cripto para fugir das inúmeras sanções impostas, bem como do congelamento de ativos aplicados pelos EUA e países europeus contra seus ativos.
Duas recentes persecuções da OFAC são bastante ilustrativas quanto ao risco regulatório que as sanções econômicas impõem ao mercado de cripto: (i) o caso Tornado Cash e (ii) o caso Bittrex.
Em agosto de 2022, a OFAC sancionou a empresa Tornado Cash, que atua como um “misturador virtual” de criptomoedas na blockchain da Ethereum. Em síntese, a empresa recebia diversas transações em cripto de diferentes fontes, as misturava e, posteriormente, retransmitia as transações para sua origem. A OFAC determinou que a empresa foi usada para lavar mais de US$ 7 bilhões em criptomoedas desde 2019. Na Avaliação Nacional de Risco de Lavagem de Dinheiro de 2022 da OFAC, a agência afirmou que os “misturadores” de criptomoedas são usados por agentes ilícitos para ocultar o movimento ou a origem dos fundos. No caso da Tornado Cash, a OFAC alegou que hackers associados à Coréia do Norte, que está sujeita às sanções da OFAC, usaram a Tornado Cash para lavar mais de meio bilhão de dólares. A OFAC também enfatizou que os profissionais de compliance “desempenham um papel crítico” na indústria de cripto e exortou tais profissionais a mitigarem os riscos decorrentes da utilização de criptomoedas por empresas ou pessoas sancionadas com fins ilícitos. Segundo a OFAC, as empresas do setor devem adotar uma abordagem baseada em risco (risk-based approach) para transações com cripto, focando nos desafios que a anonimização de usuários, principalmente em termos de origem e destinatários, pode apresentar ao cumprimento das obrigações do compliance financeiro, em especial a prevenção à lavagem de capitais.
Em outra ação havida em outubro de 2022, a OFAC impôs uma multa de US$ 29 milhões à Bittrex, uma exchange de criptomoedas americana. A ação foi realizada em conjunto com o FinCEN, importante regulador do setor financeiro dos EUA. A OFAC penalizou a Bittrex porque ela permitiu que empresas e indivíduos sancionados utilizassem sua plataforma para realizar transações financeiras e porque a Bittrex não apresentou o Relatórios de Atividades Suspeitas por aproximadamente três anos, envolvendo mais de 116.000 transações e um montante global de mais de US$263 milhões. As autoridades americanas concluíram que o departamento de compliance anti-lavagem da Bittrex não estava devidamente estruturado para desempenhar a função quando a empresa iniciou suas operações em 2014. Além disso, apesar do alto volume de transações, a Bittrex confiou em revisões de compliance manuais até 2016, sem qualquer automação. Finalmente, quando a Bittrex começou a usar o software com foco específico nas sanções econômicas em 2017, ela falhou em detectar algumas transações realizadas por partes sancionadas porque a Bittrex não configurou o software adequadamente. No acordo com a Bittrex, a OFAC enfatizou que as empresas de criptomoedas deveriam estabelecer programas de compliance concentrando-se em “cinco componentes essenciais da compliance”: (1) compromisso da administração (alta e média); (2) avaliação de risco; (3) controles internos; (4) testes e auditoria; e (5) treinamento. A OFAC resumiu os problemas da seguinte forma: “A ação de hoje sinaliza que o crescimento e o compliance devem andar em conjunto, e as deficiências dos programas de compliance anti-lavagem… devem ser prontamente e efetivamente resolvidas”.
Lições Para os Programas de Compliance Brasileiros
Embora seja improvável que as sanções dos EUA e outras sanções internacionais sejam aplicadas a transações havidas no Brasil ou em outras partes do mundo quando estas não “tocarem” os Estados Unidos, devido à amplitude de ações que o Governo Americano considera como estando sob sua jurisdição, avaliar o risco de sanções é um objetivo importante para os programas de compliance no Brasil e em outras partes da América Latina.
Tanto a OFAC quanto o DOJ têm realizado ações de persecução contra agentes localizados fora dos Estados Unidos que se envolvem em transações que passam por contas de correspondentes americanos ou que “tocam” os Estados Unidos de alguma outra forma. As recentes persecuções da OFAC, listadas no ponto anterior, mostram que o mercado de criptoativos está fortemente no radar da agência. Além disso, a aplicação da lei e os reguladores nos EUA e no Brasil têm demonstrado repetidamente a capacidade de coordenar eficazmente as investigações de conduta ilícita fora dos EUA.
Assim, os profissionais de compliance que operam em empresas de criptomoedas devem se concentrar no desenvolvimento de controles de prevenção a violações de sanções econômicas que sejam proporcionais e específicos ao perfil da empresa e do mercado de cripto, inclusive no que diz respeito ao due dilligence do cliente (KYC), monitoramento de transações e conscientização sobre a base legal e regulatória.
Conheça o Curso de Proteção de Dados e dê o próximo passo em direção ao seu sucesso profissional.