A realização de megaeventos esportivos, como a Copa do Mundo, Olimpíadas, campeonatos nacionais, entre outros, criam oportunidades de negócios para empresas das mais variadas indústrias. Empresas aéreas, redes hoteleiras, fabricantes de bebidas e marcas esportivas são alguns exemplos de agentes econômicos que investem em marketing durante esses eventos. Empresas de outras áreas, como canais de televisão, plataformas de streaming e redes sociais investem na aquisição dos direitos de transmissão desses eventos.
Ocorre, contudo, que essas oportunidades de negócios costumam estar acompanhadas de substanciais riscos do ponto de vista de compliance anticorrupção. Prova irrefutável disso é o número, a importância e a frequência com que investigações anticorrupção relacionadas a esses eventos foram iniciadas. Com efeito, em 2015, o Departamento de Justiça Norte-Americano (“DOJ”) apresentou acusações contra funcionários da FIFA e coparticipantes em várias atividades criminosas, incluindo fraude, suborno e lavagem de dinheiro. A maioria dos esquemas alegados estão relacionados à solicitação e recebimento de subornos e propinas por dirigentes de futebol por parte de executivos de marketing esportivo em conexão com a comercialização dos direitos de mídia e marketing associados a várias partidas e torneios de futebol.
Outros supostos esquemas estão relacionados ao pagamento e recebimento de propinas e descontos em conexão com o patrocínio da Confederação Brasileira de Futebol (“CBF”) por uma grande empresa de roupas esportivas dos Estados Unidos, a escolha do país-sede da Copa do Mundo de 2010 e a eleição presidencial da FIFA de 2011. A acusação chegou a nomear várias empresas que adquiriram direitos de patrocínio do torneio de agências de marketing esportivo que agora são acusadas de subornar funcionários da FIFA.
Mais recentemente, além das acusações de violações aos direitos humanos, vimos acusações de corrupção relacionadas à recém encerrada Copa do Mundo no Catar. Não será surpresa se novas acusações surgirem em breve.
Os riscos específicos de compliance que uma empresa enfrenta é determinado por vários fatores, como a natureza jurídica das entidades envolvidas nas transações comerciais (ex.: públicas ou privadas) e o grau de envolvimento dessas entidades (ex.: organizadoras do evento ou proprietárias dos direitos de conteúdo, etc.), a forma de contratação (ex.: licitação ou contratação direta), bem como outras particularidades do negócio. Entre essas “particularidades”, citamos alguns exemplos de elementos que aumentam o risco financeiro, jurídico e reputacional da transação: (i) participação de funcionários públicos; (ii) uso de intermediários¹; (iii) aquisições de licenças, patrocínio e direitos de conteúdo; (iv) fornecimento de brindes, presentes, entretenimento e hospitalidade², e (vi) investimentos e contribuições sociais³. É por isso que os especialistas em compliance afirmam, invariavelmente, que “there is no one-size-fits-all approach” quando lidamos com riscos anticorrupção substanciais.
Ademais, fazer negócios relacionados a esses eventos em outros países cria desafios específicos na perspectiva anticorrupção. Com efeito, os riscos variam amplamente devido às distintas definições de corrupção, leis, procedimentos e mecanismos de combate à corrupção de cada jurisdição. A própria definição de funcionário público deve ser avaliada caso a caso, pois essa definição e o rol de comportamentos admissíveis e grau de interação permitido é definido por lei ou precedentes locais, podendo haver variações relevantes. Além disso, muitos megaeventos esportivos são realizados em jurisdições consideradas de alto risco do ponto de vista da corrupção (ex.: Brasil, México, Marrocos, Catar, Rússia, África do Sul etc.).
É por isso que uma combinação de políticas, processos, prática e cultura corporativa é vital para que negócios relacionados a megaeventos esportivos possam ser realizados de forma lícita e íntegra. Contratos bem elaborados com cláusulas anticorrupção adequadas, um processo eficiente de due diligence de terceiros e o monitoramento das partes envolvidas nessas transações são exemplos de pontos críticos a serem considerados. Atentar-se aos riscos reputacionais também é indispensável, pois todas as notícias relacionadas a megaeventos esportivos costumam ter grandes repercussões. Fica a recomendação para que as empresas e todos os envolvidos façam a lição de casa para que o jogo seja limpo dentro e fora de campo.