Apesar dos avanços da legislação anticorrupção no Brasil, escândalos de fraudes corporativas continuam a ocorrer — inclusive em empresas que, no papel, figuram entre as mais bem avaliadas em governança. O caso das Lojas Americanas, que revelou um rombo bilionário em 2023, mesmo estando no segmento de maior governança da B3, escancarou a diferença entre práticas divulgadas e integridade real.
Mas afinal, como saber se um programa de integridade é efetivo ou apenas uma formalidade para “inglês ver”?
Essa pergunta está no centro de um trabalho científico produzido por um dos co-autores deste artigo (Felipe Mello) que propôs um modelo inédito para identificar sinais de fragilidade e efetividade em programas de integridade com base exclusivamente em documentos públicos. O estudo analisou dez grandes empresas listadas na B3, divididas em dois grupos: cinco reconhecidas por seus funcionários como éticas (como Itaú e Magazine Luiza) e cinco envolvidas em escândalos de corrupção (como Braskem e Americanas).
A constatação central: a presença de códigos de conduta, canais de denúncia e declarações éticas é generalizada, mas não garante que a integridade faça parte da cultura da organização.
As empresas do Grupo 1 — como Itaú, Magazine Luiza e Vivo — apresentaram diferenciais claros:
- Auditorias internas e externas frequentes;
- Certificações independentes, como ISO 37001 e selo Pró-Ética;
- Bônus atrelados a metas de integridade e sustentabilidade;
- Rotatividade de membros independentes em comitês de integridade.
Já o Grupo 2 — incluindo Americanas, Braskem e Gol — revelou práticas que comprometeram a confiança nos programas:
- Obsessão por metas financeiras nos códigos de conduta;
- Ausência de auditorias e certificações;
- Políticas de remuneração com foco exclusivo em lucros;
- Comitês “independentes” com os mesmos membros há muitos anos.
Com base nessa análise, o artigo desenvolveu um modelo composto por 16 elementos de avaliação, divididos em 11 aspectos formais (como due diligence de terceiros, controles contábeis e canal de denúncias) e 5 aspectos informais (como cultura ética, liderança, visão de longo prazo e direcionamento por valores). A proposta é permitir que investidores, reguladores, jornalistas e a sociedade civil consigam identificar sinais concretos — mesmo sem acesso a dados internos.
Conclusão? Ter um programa de integridade não é o mesmo que praticar integridade. Os resultados do estudo mostram que a efetividade depende da integração entre o que está formalizado e o que é vivido na cultura da empresa. E essa cultura, embora difícil de observar diretamente, deixa pistas — especialmente quando a ética está de fato presente na forma como decisões são tomadas, resultados são medidos e pessoas são incentivadas.