Em janeiro de 2021, o Transparency International publicou o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) de 2020, que avalia os níveis percebidos de corrupção no setor público de 180 países. O Índice utiliza uma escala de 0 a 100, em que 100 significa “muito íntegro” e 0 “altamente corrupto”. Apesar de ter recebido a pontuação de 38 – 3 pontos acima em comparação ao ano anterior –, a pesquisa revelou resultados preocupantes para o Brasil, que permaneceu abaixo da média de 41 pontos dos países da América Latina.
Os resultados não foram desanimadores apenas para os brasileiros. A maioria dos países analisados obtiveram uma pontuação abaixo de 50 e este cenário não deve contar com mudanças otimistas para o futuro, isso porque a pandemia da COVID-19 e as adaptações feitas nos ambientes corporativos em decorrência da doença, podem ter reflexos negativos no IPC e indicar um alerta também para os atos indevidos cometidos no setor privado.
A adoção do trabalho remoto e o distanciamento social certamente impactaram a rotina e a implementação e/ou consolidação da cultura organizacional dentro das corporações. Considerando esse contexto, se é verdade que a maioria dos países analisados pelo Índice permanecem abaixo de 50 pontos, é possível imaginar que os atos indevidos cometidos no âmbito privado também encontraram um ambiente propício durante a pandemia para serem praticados.
Mas por que, mesmo em meio a uma pandemia que desafiou a vida de milhões de pessoas, alguns indivíduos não se sentem coibidos a cometer atos indevidos? A resposta não é simples nem objetiva, mas uma boa forma de analisarmos os fatores que contribuem para esse cenário é por meio da Neurociência Comportamental, a partir de estudos elaborados por importantes pesquisadores da área.
De início é importante desconstruir o senso comum de que um ato indevido se dá pela conta matemática envolvendo o benefício/vantagem a ser obtida versus o risco de a pessoa ser pega e a sanção a ser atribuída. Kai Konrad, Tim Lohse e Sven Simon, por exemplo, demonstraram em um estudo publicado na revista Experimental Economics, “Pecunia non olet: on the self-selection into (dis)honest earning opportunities“, que indivíduos que cometem atos indevidos o fazem quando encontram uma oportunidade para tanto. Dan Ariely, por sua vez, demonstrou em sua obra “The (Honest) Truth about Dishonesty” que todas as pessoas estão suscetíveis a cometer atos indevidos, na medida em que conseguem encontrar justificativas para tais atos e que esses não atinjam a sua autoimagem.
Partindo do pressuposto que a pandemia se demonstrou como uma oportunidade para o cometimento de atos indevidos e que todas as pessoas estão suscetíveis a cometer tais atos, as empresas que mantiveram em 2020 e em 2021 as medidas de conformidade vigentes em 2019, podem estar com os seus controles desatualizados e em situação de não-conformidade.
Uma forma inusual de resolução de desafios antigos relacionados ao Compliance pode ser a implementação de ferramentas estruturadas pela Neurociência Comportamental. Uma dessas ferramentas é a implementação dos Nudges dentro de corporações que buscam atuar de maneira preventiva em relação ao risco de terem seus empregados envolvidos em atos indevidos.
O Nudge, ou a Arquitetura da Escolha, é um conceito introduzido por Richard Thaler e Cass Sunstein (“Nudge: Improving Decisions about Health, Wealth, and Happiness“), e é a ideia de que podemos mudar o processo de tomada de decisão das pessoas transformando o ambiente de maneiras sutis. Em outras palavras, os Nudges são ferramentas utilizadas pelas organizações para dar um “empurrãozinho” nas decisões a serem tomadas.
O conceito foi amplamente abordado pela economia comportamental e apresentou relevantes resultados quando incorporado em políticas públicas. Um exemplo de sucesso na implementação do Nudge foi no incentivo a adesão ao plano de pensão norte-americano. A estratégia nesse caso foi alterar a forma de adesão ao plano de voluntária para automática, forçando aqueles que não desejassem participar do programa a se descadastrarem. A alteração resultou em um aumento expressivo nas adesões durante o governo de Barack Obama.
O resultado de tais incorporações demonstra que o Nudge também pode ser uma ferramenta eficaz na prevenção de atos indevidos dentro de corporações. Apesar de ainda não muito explorado dentro do âmbito empresarial, Todd Haugh, professor de Direito Empresarial e Ética na Universidade Kelley School of Business, abordou a utilização dos Nudges dentro de corporações através de “empurrões” ao comportamento honesto, sendo utilizada a ferramenta dentro de corporações no sentido de tornar os funcionários mais éticos nas suas decisões. De acordo com o professor, o Nudge oferece uma nova abordagem a fim de diminuir o risco de conformidade associado às irregularidades de empregados.
Os resultados identificados através da implementação dos Nudges são indicativos de que a Neurociência Comportamental pode ser uma aliada do departamento de Compliance e de Integridade na prevenção de atos indevidos e, mais do que isso, o conceito se demonstra como uma alternativa inusual, mas promissora para direcionar as organizações para inovadoras formas de solução de antigos problemas relacionados a Conformidade.
Artigo por Mainara Massuella (Advogada associada no escritório Maeda, Ayres e Sarubbi Advogados).
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