Tecnologias baseadas em IA emergem como foco de atenção para quase três quartos dos líderes de Compliance nas empresas
Já se passaram alguns anos desde que a pauta da “transformação digital” tomou conta do mundo corporativo, com reflexos, ainda que em menor escala, também para suas áreas de Compliance. Desde então, uma miríade de novas soluções digitais para as diferentes demandas dos profissionais da área (e diferentes tamanhos de bolso) ganhou espaço no ferramental dos Compliance Officers: de plataformas de treinamento online até canais de denúncias operados por robôs, passando por sistemas de investigação e de gestão dos programas. Isso trouxe muita produtividade para a área, e o furor em torno dessas novas possibilidades, ainda que não com o mesmo frescor de novidade de anos atrás, permanece elevado, até porque, embora muito conhecidas, para muitas empresas a adoção de forma mais estruturada da maior parte dessas tecnologias seja uma realidade um tanto distante.
No geral, quando se questiona sobre o que mais atrai a atenção quando o assunto diz respeito às transformações digitais e às novas tecnologias cada vez mais onipresentes no ambiente global de negócios, o quadro não apresenta grandes alterações se comparado com os cenários de 2022 e 2023. De longe, a expectativa sobre a melhor forma de fazer uso de big data, inteligência artificial (IA) e machine learning para melhorar a execução e o monitoramento dos processos de Compliance é a que mais gera respostas dos líderes da área nas empresas. Neste ano, 62,5% dos respondentes mencionaram essa questão. Já a adequação do programa à realidade de um mundo digitalizado ainda é um ponto de atenção citado por 48,3% dos respondentes. A preocupação com os riscos gerados pela digitalização aparece em terceiro lugar entre os tópicos relacionados aos impactos da transformação digital, com 46,5% dos respondentes citando este ponto. O único aspecto que sofreu uma variação mais significativa diz respeito à sustentação da mensagem do Compliance em um contexto de mais trabalhadores atuando remotamente. Em 2022, ainda sob a pandemia de covid-19, 36,8% apontaram essa questão como um ponto de atenção, percentual que caiu para 25,1% neste ano, refletindo tanto uma adequação nos casos de empresas que mantiveram a política de trabalho remoto quanto a própria volta aos escritórios, algo que vem ganhando mais tração à medida que as lideranças de grandes empresas globais passam a pressionar suas equipes para estar mais presentes nos prédios corporativos.
Em relação à participação nas discussões internas das empresas relacionadas com projetos envolvendo novas tecnologias como Blockchain e Criptoativos, o quadro aponta para um arrefecimento no envolvimento da área de Compliance nessas discussões. O percentual de profissionais nas empresas que disse que embora a empresa tenha projetos relacionados com essas tecnologias, mas que não envolvem os líderes de Compliance participantes da pesquisa, caiu de 22,6%, em 2023, para 11,1% neste ano. Por exemplo, os projetos relacionados a Blockchain, Criptoativos e Tokenização, com o envolvimento dos Compliance Officers – temas que geraram muito barulho entre eles nos últimos anos –, caíram em relação ao ano passado. No caso de projetos de Internet das Coisas (Internet of Things – IoT), o percentual se manteve estável em relação ao ano anterior. A própria despriorização desses temas na agenda das empresas precisa ser considerada também, com 18,5% dos líderes da área nas empresas dizendo que suas empresas não discutem projetos relacionados a essas tecnologias. Em 2023, apenas 12,1% responderam o mesmo.
Nesse momento, parece existir apenas uma nova tecnologia capaz de gerar movimentações mais intensas por parte dos profissionais de Compliance, e que não é segredo para ninguém: a inteligência artificial (IA), tecnologia onipresente nas discussões atuais em várias searas, de governos a empresas.
Nada menos que 72,3% dos respondentes da pesquisa do Compliance ON TOP 2024 que atuam em empresas dizem ter participado, dentro de suas empresas, de projetos ou discussões relacionados à inteligência artificial nos 12 meses anteriores à realização da pesquisa (que esteve aberta entre abril e agosto de 2024). É um número que deixa explícita a importância que esse tema ganhou para as empresas e para as áreas de Compliance, que, ao mesmo tempo em que precisam ajudar as companhias a estabelecer critérios adequados e mecanismos de transparência no progresso e no uso das suas aplicações baseadas em IA, buscam entender como o desenvolvimento e a adoção de ferramentas apoiadas nessa tecnologia disruptiva podem auxiliá-los em suas tarefas, aumentando a produtividade e a assertividade no dia a dia da área.
As IA’s não são todas iguais. Ferramentas preditivas, baseadas em inteligência de máquina, envolvem o uso de análises estatísticas que ajudam a identificar padrões, antecipar comportamentos e prever eventos futuros. Via de regra, ferramentas baseadas nesse modelo estão sendo desenvolvidas e usadas há mais tempo pelo mercado corporativo. Mas é inegável que a vedete do momento é a IA generativa, baseada em linguagem, mais especificamente nos large language models (LLM), o que dá a ela maior capacidade de compreensão do contexto para criar textos, imagens, dar respostas e sugestões (e “falar e escrever” muita bobagem e coisas erradas, tal qual nós, seres humanos, fazemos).
Por ser menos “amarrada” por dados objetivos, como é o caso das ferramentas preditivas, que servem muito bem para apoiar questões de caráter mais objetivo, deixando a “compreensão” do cenário a cargo dos seres humanos, a IA pode, caso seu operador deseje, exercer esse papel. Isso a torna uma ferramenta muito menos “confiável”, já que o controle sob a sua compreensão ainda é algo bastante complexo, dada a falta de conhecimento e de transparência nos processos de treinamento dessas IA’s pelas big techs. Apesar disso, a adoção dessas ferramentas, que tem no ChatGPT seu nome mais conhecido, é bastante relevante. Do total de respondentes que atuam nas empresas, 38,7% já dizem fazer uso de ferramentas baseadas em IA generativa dentro da área de Compliance.
Entre os que assinalaram positivamente, a maior parcela dos respondentes (56,8%) usa essas ferramentas como a maioria das pessoas: para a produção inicial de documentos ou projetos relacionados ao trabalho na área, embora mais de um terço diga já usar a IA generativa para o monitoramento de terceiros, algo que é bem mais sofisticado. Ainda, cerca de um quarto do grupo usa esse tipo de ferramenta para atendimento do canal de denúncias e para analisar contratos. Mesmo entre os que responderam à pesquisa, mas ainda não faziam uso da tecnologia, a tendência é de adoção no curto prazo, já que 57,7% destes disseram ter planos de passar a fazê-lo até o fim deste ano. De fato, o potencial de aumento de produtividade e eficácia que essas ferramentas podem oferecer às áreas de Compliance é enorme, como o leitor poderá conferir a seguir.
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Artigo publicado originalmente no Anuário Compliance ON TOP 2024, com o título “Surge uma estrela”.
Imagem: Canva