Desafios para a prática de governança corporativa em startups
A preocupação com a governança corporativa e os temas que envolvem a integridade empresarial têm sido objeto de discussão entre profissionais, estudiosos e acadêmicos no Brasil e no exterior. Um sem fim de escândalos corporativos, fraudes, desvios de conduta ética, má prestação de serviços, exposição negativa de marcas e nomes, divulgados por meio da mídia, têm colocado em alerta o mercado e os investidores. Como em todo ambiente de negócios “contaminado”, a legislação e os reguladores de mercado apressam-se a buscar formas mais rígidas de gestão e controles por meio de leis e regulamentos. Do lado do ambiente privado, o foco são os grandes grupos econômicos, as grandes corporações e empresas de médio porte que detém participação expressiva nas fatias de mercado dos seus respectivos segmentos de negócio. Por tabela, a the strict enforcement of regulations (a aplicação rigorosa das regulamentações, numa tradução livre), recai sobre pequenas empresas e organizações, as quais devem adequar-se às “novas regras” para continuar fazendo negócios. O que é bom para o mercado e para sociedade!
Porém, com o avanço da tecnologia, da inteligência artificial (o futuro que já é presente!) e das novas necessidades da sociedade, traduzidas, por exemplo, no modo como pedimos comida, trans- porte, compramos serviços etc., existe um nicho de empresas que também precisa direcionar os seus esforços para os aspectos que envolvem a governança corporativa: as startups.
Uma startup é uma empresa, mas uma empresa pode não ser uma startup. Elas estão associadas ao empreendedorismo, à vontade própria de criar e desenvolver, à inovação, ao conhecimento técnico e especializado. Ou seja, trans- formar uma ideia em um projeto. Uma mudança de mentalidade empresarial.
São empresas que buscam modelos disruptivos onde não cabem formalidades nem controles. Nelas, o que vigora é a prática da “tentativa e erro”, a prototipagem etc. e não mais o plano de negócio previsto para médio e longo prazos. Todas têm um sonho, um propósito, mesmo que nem sempre oficializados.
E são estas características que têm feito com que grande parte das empresas, tidas como “tradicionais”, venham a buscar as startups. Algumas, inclusive, buscam incorporar formalmente as startups aos seus negócios e, neste movimento, acabam matando o que diferenciava a “empresa formal” da Startup: a agilidade e a ausência de processos engessados.
Durante a década de 90 uma grande explosão de startups de tecnologia surgiu no Vale do Silício, na região da Califórnia, nos Estados Unidos, região que desde os anos de 1960 é local de nascimento de gigantes globais de TI, como Google, Apple, Microsoft, dentre outras.
Até 2010, as startups eram novidade no Brasil. Muitas delas desempenham atividades ou atuam em setores que não existiam até pouco tempo atrás. Segundo a Associação Brasileira de Startups – ABS- tartup, o segmento representa 50% dos novos empregos e a estimativa é que existam mais de 10 mil empresas desse tipo no país. Elas dão sempre um passo a mais na curva de aprendizado e mostram caminhos para problemas novos e antigos.
Assim como as empresas tradicionais, as startups também estão sujeitas à alta taxa de mortalidade nos 5 primeiros anos. Logo, a chave para o sucesso de uma startup é a capacidade de sobrevivência aliada à resposta das ideias no mercado. Sobre o primeiro desafio, comum a todo tipo de empresa, independentemente do porte e segmento, existem diversos programas de aceleração ou de busca pelo “investidor-anjo”, privados ou governamentais, que podem ser acessados para garantir sobre vida nos primeiros anos de atividade.
Esse processo de aceleração pode vir, na maioria das vezes, por meio das incubadoras ou das próprias aceleradoras. As incubadoras oferecem serviços como apoio em atividades de marketing e elaboração do plano de negócios, por exemplo. Buscam apoiar pequenas empresas de acordo com alguma diretiva governamental ou regional por meio de investimentos públicos. Já o conceito de aceleradora é recente se comparado ao de incubadora. Ao contrário das incubadoras, as aceleradoras viram sócias das startups, aportando capital e passando a deter participação da empresa. Na prática, ambas têm o objetivo de ampliar o potencial de negócios e conectar as startups com os seus potenciais investidores.
Como a Governança pode Contribuir Com as startups?
Desenvolver os mecanismos de governança corporativa para organizações grandes, médias e pequenas já é um de- safio natural por si só. O que dizer sobre um modelo de negócio que em muitos casos é gerenciado e conduzido no dia a dia por uma ou duas pessoas?
Um novo modelo de negócio gera automaticamente uma nova cultura. Para quem conhece o ambiente de trabalho da maioria das startups, as salas fechadas e o mobiliário “pesado” deram lugar aos espaços abertos, os cantos reservados aos bebedouros e máquinas de café foram substituídos por mesas de sinuca, chopeiras e pufes. Consequentemente, o espaço de trabalho se transforma em ambiente para os mais variados tipos de relacionamentos.
Neste sentido, a hierarquia, quando existente, é mais sutil e direta. Em muitas situações, os empregados são mais velhos que os próprios “executivos”. A gestão do tempo e das metas é próxima da informalidade e baseada “apenas” na confiança. Ou seja, um modo de trabalho diferente do tradicional e um mundo completamente novo: o “modo startup”. Essa nova forma de gestão traz benefícios como senso de responsabilidade individual e um ambiente, muitas vezes, mais leve e descontraído. Em contrapartida, é preciso estar atento para que os valores de cada startup sejam construídos e os limites de atuação estabelecidos para se evitar riscos e delimitar funções e responsabilidades. Estamos falando de regras. Mas em um contexto onde há menos hierarquia e menos controle? Isso é possível? Os desafios são muitos!
Como dissemos acima, um dos objetivos de uma startup é estar preparada para receber investimentos, inclusive para viabilizar a atuação em mercados internacionais, se for de interesse. Daí a importância da governança corporativa para as startups.
É preciso encontrar modelos próprios. Chegar para empreendedores de startups e sugerir que eles se enquadrem à governança corporativa e aos mecanismos de compliance tradicionais, certamente não trará o resultado que esperamos ou, simplesmente, será avaliado por eles como modelos e expressões que fazem parte da velha economia e não convergem com a economia colaborativa e disruptiva.
Para entender um pouco as startups, é preciso mergulhar no universo desses empreendedores:
- São pessoas extremamente criativas e resistentes a aceitar e adaptar-se a modelos e padrões tradicionais;
- Regras não fazem parte desse mundo. Segundo a visão da grande parte dos empreendedores de startups, elas atrapalham e burocratizam;
- Trata-se de uma geração imediatista e “do instantâneo”; e
- startups são negócios colaborativos e as relações de trabalho são, em sua grande maioria, informais.
E como falar de governança neste universo que não tem esta preocupação no radar e que busca se distanciar dos modelos mais formais?
Um dos caminhos é usar a expressão propósito. Esta é a palavra que move esses negócios bem como seus empreendedores. Trata-se de uma geração que busca encontrar o seu papel na sociedade e no mundo.
A partir da reflexão sobre o propósito do negócio, outra reflexão pertinente e coerente para os empreendedores é a dos valores. Quais valores devem permear o negócio para que atendam aos seus propósitos? Como buscar estes valores nas pessoas com as quais trabalham?
De modo geral, podemos dizer que com a definição desses dois pontos, propósito e valores, temos a formalização da cultura organizacional de uma startup. O passo seguinte é fazer o empreendedor pensar nos riscos aos quais o seu negócio está sujeito e quais podem ser assumidos e outros mitigados.
E, neste momento, a governança começa a fazer sentido para o empreendedor. Quando ele percebe que se trata de uma ferramenta que vai permitir que seu propósito se viabilize. O que para a economia tradicional é um conjunto de normas, para a nova economia é somente um trilho que conduz à realização de sonhos, de propósitos.
Todos estamos aprendendo neste terreno. Não há mais certo ou errado. Não há mais o longo prazo. O presente é, como dizem as startups, “beta”. Tudo pode ser revisto e transformado. E neste novo mundo, nunca fez tanto sentido a aproximação do velho com o novo; do tradicional com o arrojado; do rígido com o flexível.
Estes e outros pontos servem para buscarmos respostas e propormos soluções para as startups, sob a ótica da governança corporativa.
É preciso trabalhar a governança corporativa para as startups desde o “primeiro tijolo”, sem esquecermos da conexão com as pessoas. É preciso comunicar melhor os propósitos da governança corporativa, tanto a “governança para dentro” quanto a “governança para fora”, como ela pode agregar valor aos negócios das startups e atender às demandas desse “novo” mercado.
É o momento de amadurecer a governança corporativa para as startups e aprender com elas.
Membros do Comitê de Governança Corporativa da LEC: Edmo Colnaghi , Emeson Siécola, Gisele Lorenzetti, Leandro Gotz e Maria Fernanda Teixeira.
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