Um ponto que demanda muita negociação de parte a parte
Se existe uma solicitação que tira o sono ou o tempo dos profissionais de compliance hoje em dia é a acomodação das cláusulas de compliance nos contratos celebrados entre grandes empresas. Isto porque, após a entrada em vigor da lei brasileira anticorrupção, as empresas passaram a se preocupar cada vez mais em ter em seus contratos a obrigação da outra parte de sujeição ao seu código de conduta e demais políticas de compliance.
Na relação entre uma empresa multinacional, sujeita às principais leis anticorrupção, e uma empresa local, este raciocínio faz todo sentido, uma vez que a multinacional visa garantir que a empresa local, muitas vezes agindo em seu nome e possivelmente sem uma estrutura efetiva de compliance, se submeta aos princípios de seu código e muitas vezes às leis a que ela está submetida.
Entretanto, quando lidamos com duas empresas multinacionais, ou mesmo grandes empresas locais com áreas de compliance mais estruturadas, costuma-se verificar uma verdadeira disputa entre os departamentos jurídicos e de compliance das empresas, cada qual tentando impor os seus códigos à outra, gerando desconforto entre as companhias, retrabalho e em algumas vezes, até o cancelamento do negócio. Neste último cenário, todos perdem, sobretudo os profissionais de compliance e do jurídico envolvidos, que farão jus (corretamente) ao rótulo de funcionários do DPV – Departamento de Prevenção à Vendas, como ainda são comumente conhecidos os departamentos jurídicos e de compliance das empresas.
De forma objetiva, para mitigar o desgaste e facilitar a construção de uma cláusula que seja aceita pelas partes, algumas perguntas deverão ser feitas: (I) quais legislações anticorrupção cada empresa está submetida?; (II) as empresas são listadas em bolsas de valores internacionais?; (III) as empresas estão envolvidas em investigações públicas ou têm casos famosos de condenações ou acordos com as autoridades norte-americanas?; (IV) o código de conduta das empresas está disponível na internet?; e (V) o código de conduta da outra empresa possui os princípios norteadores de seu código, como sujeição às principais leis anticorrupção, enforcement e boas práticas corporativas?
A grande maioria destas questões poderá ser respondida com uma rápida pesquisa na internet, com a submissão de um questionário ou com uma leitura do código de conduta da outra empresa. Essa pesquisa prévia facilitará em muito as negociações, já que ambas as partes já estarão conhecendo um pouco mais sobre o parceiro.
Para exemplificar e facilitar a vida dos leitores da LEC, recentemente me deparei com uma cláusula entre empresas de mesmo nível de governança que me pareceu muito bem equilibrada e, com alguns ajustes, transcrevo-a abaixo. Espero que aproveitem!
“As Partes declaram conhecer as normas de prevenção à corrupção previstas na legislação brasileira, dentre elas, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) e a Lei nº 12.846/2013 e seus regulamentos (em conjunto, “Leis Anticorrupção”) e se comprometem a cumpri-las fielmente, por si e por seus sócios, administradores e colaboradores, bem como exigir o seu cumprimento pelos terceiros por elas contratados. Adicionalmente, cada uma das Partes declara que tem e manterá até o final da vigência deste contrato um código de ética e conduta próprio, cujas regras se obriga a cumprir fielmente. Sem prejuízo da obrigação de cumprimento das disposições de seus respectivos código de ética e conduta, ambas as Partes desde já se obrigam a, no exercício dos direitos e obrigações previstos neste Contrato e no cumprimento de qualquer uma de suas disposições: (I) não dar, oferecer ou prometer qualquer bem de valor ou vantagem de qualquer natureza a agentes públicos ou a pessoas a eles relacionadas ou ainda quaisquer outras pessoas, empresas e/ou entidades privadas, com o objetivo de obter vantagem indevida, influenciar ato ou decisão ou direcionar negócios ilicitamente e (II) adotar as melhores práticas de monitoramento e verificação do cumprimento das leis anticorrupção, com o objetivo de prevenir atos de corrupção, fraude, práticas ilícitas ou lavagem de dinheiro por seus sócios, administradores, colaboradores e/ou terceiros por elas contratados. A comprovada violação de qualquer das obrigações previstas nesta cláusula é causa para a rescisão unilateral deste Contrato, sem prejuízo da cobrança das perdas e danos causados à parte inocente”
** As opiniões neste texto dizem respeito aos entendimentos pessoais do autor e não de sua empregadora.
Publicado originalmente na Revista LEC edição número 14