A Lei 13.506/2017 estabelece limites mais altos para a punição aos bancos e dá ao Banco Central e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ferramentas para fechar acordos de leniência com as empresas sob sua supervisão. A questão é saber se a integração com outros órgãos de controle do Estado, nesse caso, vai se dar de forma mais harmoniosa do que em relação aos acordos de leniência da Lei Anticorrupção.
Poucos instrumentos são tão celebrados pelos profissionais de compliance do que os acordos de leniência. Por meio deles é possível colaborar com as autoridades para esclarecer crimes nos quais a empresa possa ter se envolvido, especialmente quando ele é gerado pela ação individual de pessoas, ou de um grupo de pessoas, e não algo sistêmico e incorporado ao modelo de negócios da empresa.
Mas, ao menos no que diz respeito à Lei Anticorrupção, esse instrumento ainda não traz segurança jurídica para as empresas. Isso porque os diferentes agentes do poder público não conseguiram atuar de forma conjunta ainda.
Os acordos fechados até aqui, no caso das grandes empreiteiras, com o Ministério Público Federal, não garantiram às empresas a segurança de que poderão seguir tocando seus negócios e contratando com o Estado.
Pelo contrário, as empresas estão sendo declaradas inidôneas por mais de um desses órgãos. Com esse cenário em vista, o que podemos esperar da Lei 13.506, sancionada em 2007? A nova legislação permite ao Banco Central e a CVM aplicarem penas mais duras às empresas por eles reguladas. Também introduz a possibilidade de fechamentos de acordo de leniência, chamados de acordo administrativo em processo de supervisão.
Tão logo foi anunciada, integrantes do Ministério Público passaram a dizer que a legislação representaria uma espécie de “salvo-conduto” para os bancos e que a legislação atrapalharia o trabalho dos procuradores. Depois de alguma negociação, o texto trouxe mais clareza de que a responsabilidade do BC e da CVM se dá apenas na esfera administrativa e que as instituições devem permitir o acesso das suas investigações ao Ministério Público, que continua com a responsabilidade por tocar os casos na esfera criminal, quando for o caso.
A LEC consultou os dois reguladores para entender como eles estão se preparando para aplicar as novas regras.
Na esfera da Lei Anticorrupção, até hoje, não se chegou a um entendimento entre CGU, AGU, MP e TCU para que os órgãos atuem de maneira conjunta. Como vai se dar essa integração no caso da Lei 13506/2017? Vocês estabeleceram acordos com outros órgãos, especialmente MPF e AGU, sobre como atuar de forma conjunta?
Banco Central: A Lei 13.506/2017, prevê que o acordo administrativo em processo de supervisão (APS) celebrado pelo Banco Central (BC) em relação à infração a normas que lhe caiba fiscalizar não afeta a atuação do Ministério Público e dos demais órgãos públicos no âmbito de suas correspondentes competências. Sempre que houver indício da existência de crime ou de infração administrativa relacionado, o BC tem o dever legal de comunicar ao Ministério Público e aos demais órgãos públicos, como prevê o art. 9º da Lei Complementar nº 105, de 2001. Dessa forma, cada órgão pode exercer suas competências. Em termos de colaboração, a lei também estabelece um arcabouço para a estreita colaboração entre o BC e o Ministério Público (art. 31, §§3º e 4º), assegurando o acesso deste a informações e a sistemas do BC sobre os APS celebrados e estabelecendo um fórum permanente de comunicação entre os órgãos, inclusive por meio de acordo de cooperação técnica. Isso deve assegurar uma atuação coordenada entre BC e Ministério Público.
CVM: Mantemos desde 2008 um Termo de Cooperação Técnica com o Ministério Público Federal (MPF), que tem por objetivo central maximizar a efetividade nas ações conjuntas de prevenção, apuração e combate a práticas lesivas ao mercado de capitais. Além disso, buscamos igualmente incrementar o intercâmbio de informações e iniciativas interinstitucionais de capacitação, em todos os níveis, dos profissionais da CVM e do MPF. Em relação à Advocacia Geral da União (AGU), a CVM possui em sua estrutura organizacional uma Procuradoria Federal Especializada (PFE) formada majoritariamente por profissionais oriundos da própria AGU, de modo que já possuímos uma proximidade histórica com eles. Nesse sentido, cabe à PFE prestar consultoria e assessoramento jurídicos aos órgãos da CVM. É importante também mencionar o acordo de cooperação técnica que celebramos recentemente com o TCU, que prevê o intercâmbio de conhecimentos, informações e bases de dados entre as instituições e que certamente auxilia na atuação conjunta.
O histórico recente de leniências fechadas mostrou que, em casos que envolvem acusações de ordem criminal, as empresas e executivos têm preferido fechar os acordos com o MP, deixando a esfera administrativa para negociações posteriores. Como evitar que isso aconteça no caso da Lei 13.506/2017?
Banco Central: O APS tem por função trazer ao BC informação sobre a prática de infração da qual ele não tinha conhecimento ou sobre a qual não tinha informação suficiente para obter uma condenação. Como supervisor e regulador do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro, o BC precisa acompanhar de perto a atuação das instituições supervisionadas para assegurar a manutenção da sua estabilidade e eficiência. Portanto, a celebração de APS só é do interesse do BC se trouxer a comprovação e informações novas.
CVM: Trata-se de uma questão envolvendo o campo de atuação e a competência legal de cada instituição. A esfera de competência da CVM é administrativa. Neste sentido, é importante que fique claro, desde já, a relevância do novo instrumento trazido pela Lei. Os APSs poderão contribuir de forma efetiva para o fortalecimento da capacidade da CVM de disciplinar o mercado de capitais no Brasil.
A instituição montou, ou está montando, uma área especial para cuidar dessas negociações e da fiscalização desses acordos?
Banco Central: A lei prevê (art. 30, §7º) que a decisão sobre a assinatura do APS será tomada por órgão colegiado previsto no Regimento Interno do BC, que é aprovado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A partir da determinação legal, o BC está estruturando, na área de supervisão, órgão colegiado encarregado dos APS.
CVM: Os assuntos decorrentes da nova lei, como a possibilidade de celebração de acordos mencionada anteriormente e a questão da dosimetria das penalidades, estão sendo analisados pelas áreas técnicas e pretendemos que as alterações regulatórias que se façam necessárias sejam discutidas, como de costume, por meio de audiência pública.
É possível estimar em quanto o número de processos deve crescer, tendo como base a mudança nas regras? E, também, se existe alguma expectativa de diminuição nos prazos relacionados a esses processos?
Banco Central: Não é possível estimar ainda o impacto do novo marco legal sancionador no número de processos. A nova lei, além de fortalecer a ação sancionadora do BC, instituiu novos instrumentos de supervisão, que podem também ser utilizados na supervisão do sistema financeiro, inclusive no lugar dos processos administrativos, como o termo de compromisso. Cabe ao BC avaliar qual o instrumento de supervisão mais adequado ao caso concreto. Quanto ao prazo dos processos, existe expectativa de redução, com a criação de regras de processo administrativo mais claras e adequadas ao universo fiscalizável do BC. A adoção do processo eletrônico também vai contribuir para diminuição de prazos, ao facilitar a comunicação com os administrados.
CVM: Cada caso analisado pela CVM tem particularidades, circunstâncias próprias. Neste sentido, temos sempre duas preocupações em mente: assegurar uma instrução processual adequada, cuidadosa e com o máximo de elementos substanciais e tomar decisões claras, objetivas e de fácil entendimento. A CVM tem feito um esforço nos últimos anos de otimização do trabalho processual. Houve a instituição de metas para as áreas técnicas e também para o Colegiado, gerando significativo ganho em celeridade. Continuaremos a trabalhar neste sentido.