Com o avanço da temática ESG nas empresas, surgem questionamentos sobre qual o papel da área de Compliance nessa agenda
Três letrinhas que representam uma jornada de transformação no mundo corporativo, quebrando paradigmas e gerando amplos impactos na forma como as empresas operam e se relacionam com funcionários, parceiros de negócios, governos e sociedade de forma mais ampla. Definido genericamente como um conjunto de estratégias, políticas e práticas corporativas relacionadas com o meio ambiente (E, de enviroment), a responsabilidade social (S, de Social) e a boa governança (G), o ESG é a bola da vez.
Lideranças do mundo dos negócios estão entre os maiores entusiastas dessa estratégia, assumindo o papel de conduzir suas empresas e respectivas cadeias de valor rumo a essa nova visão de mundo.
Aqui no Brasil, diversos estudos apontam para a importância que os empresários têm dado a essa agenda. Consultados para uma pesquisa da firma de auditoria e consultoria Grant Thorton no ano passado, 89% deles afirmaram que ESG é importante para os negócios.
O quanto disso é discurso e o que de fato será transformado ou construído durante essa jornada é algo que levará algum tempo até que se possa ter clareza. Vai depender muito da relação das empresas com cada uma das três verticais e de como elas estão colocando (ou pretendem colocar) em prática essa agenda. Mas, uma coisa é certa: ao menos neste momento, o ESG está sendo inserido no coração da estratégia das grandes corporações. E isso é algo fundamental para entender o porquê dele ser diferente das práticas tradicionais relacionadas à responsabilidade socioambiental.
De alguma forma, o ESG dota de “humanidade” à pessoa jurídica, no sentido de que o seu papel social deixa de ser apenas o de gerar lucros, pagar salários e tributos. No contexto do ESG, a empresa existe para contribuir com um mundo melhor. E ela o faz sendo uma “pessoa” melhor, mais consciente do seu poder de influenciar mercados e sociedade e usando as suas capacidades para obter impactos positivo em termos sociais e ambientais. Não é mais só sobre neutralizar os danos do seu processo produtivo ou patrocinar uma entidade filantrópica. Com o ESG, as empresas pensam nesses temas de forma integrada a sua visão empresarial e aos seus processos de negócios, para que eles possam gerar mais benefícios para um grupo mais amplo de stakeholders.
Ao trazer o ESG para o centro da estratégia (ou para o discurso), as empresas também tentam responder a uma demanda que é do próprio mercado. A nova geração de consumidores, mais engajados, não aceita uma série de práticas relacionadas ao meio ambiente ou a questões sociais. Eles buscam identificação com as marcas com as quais se relacionam e consomem. E isso repercute em cascata: de redes de supermercados europeias (região que desde meados do século passado assumiu a liderança da agenda corporativa de responsabilidade socioambiental e que hoje, é a mais avançada na agenda ESG), que não aceitam comprar de marcas ou empresas que estejam relacionadas, de alguma forma, como o desmatamento da Amazônia; até pequenos fornecedores de indústrias químicas que não conseguem rastrear, desde a origem, os materiais usados na sua produção e acabam não conseguindo atender a exigência dessas empresas.
Em suma, o ESG não deve ser encarado só como uma questão de “bom mocismo” empresarial. Ela representa, realmente, uma agenda de sustentação para o futuro dos negócios.
E como fica o Compliance com isso tudo?
Em primeiro lugar, vamos ao básico.
O Compliance precisa conhecer o negócio da empresa na qual atua em profundidade. Ok. A frase já é clichê, mas permanece uma verdade absoluta. E isso independe da empresa ter ou não uma estratégia ESG. Mas, tendo, é fundamental entender como a empresa está tratando dessa agenda.
Se esse for um tema embrionário na organização, ainda sem uma direção clara, o Compliance pode desempenhar um trabalho importante no sentido de chamar a atenção para ele junto à alta administração, estimulando o debate e, de alguma forma, assumindo a missão de trazer e, porque não, liderar essa agenda para a companhia. Ao menos num primeiro momento a área tem ferramentas que podem facilitar e contribuir com o desenvolvimento da agenda, inclusive sensibilizando a alta direção, que pode não ter a visão do todo. “O Compliance vai ter que estar sensível para não deixar o ESG virar uma colcha de retalhos”, acredita Isabela Bragança, General Counsel e Compliance Officer da CEPTIS, empresa do segmento de dispositivos de segurança, controle e integridade.
Agora, o mais comum hoje, ao menos nas grandes companhias, é que o tema já esteja sendo tratado. Aí a questão que se impõe é outra. Qual o papel que caberá ao Compliance em relação a essa agenda? Isso é algo muito menos óbvio. Até porque, a área já é parte integrante do ESG. O Compliance e seus temas – do risk assessment ao treinamento, passando pela gestão do canal de denúncias – compõe a estrutura do G, de governança corporativa. Os profissionais de Compliance precisam entender e assumir que dentro do contexto amplo de ESG, o papel da área é secundário, de apoio, mas de extrema importância. “O Compliance não pode se omitir dessa agenda. O ESG é mais uma das obrigações e compromissos da companhia com o mercado. É como uma nova missão para a qual ele precisa estar pronto para dar suporte aos comitês e ao conselho”, explica Gustavo Lucena, sócio de Risk Advisory da Deloitte, big 4 da área de auditoria e consultoria. A amplitude desse apoio e, por consequência, a capacidade de influenciar a agenda será proporcional ao tamanho e a maturidade que o Compliance tem dentro da empresa, além de outros fatores relacionados à sua própria organização.
Em fevereiro deste ano, a executiva Ana Paula Candeloro, assumiu a diretoria executiva de Compliance do UBS BB, joint venture entre os bancos suíço e brasileiro na área de gestão de recursos. Sua cadeira responde pelos temas de regulatório, conformidade e governança da instituição. Na estrutura organizacional, os temas relacionados ao ESG também estão sob sua responsabilidade, dando a executiva, que se reporta diretamente ao CEO do UBS BB, mais do que poder influência, condições de garantir um compromisso efetivo da empresa com programas duradouros, métricas e avaliações mais sofisticadas, que vão integrar os parâmetros ESG na matriz SWOT (sigla em inglês para forças, fraquezas, oportunidades e ameaças). “A matriz é a chave para que essas questões deixem de ser vistas como problemas de imagem, risco reputacional e sejam incorporadas aos negócios, dando o reconhecimento dos seus impactos sobre a lucratividade das empresas”, aponta Ana Paula. Mas a estrutura que ela comanda, com a liderança dos temas de ESG, está longe de ser comum nos organogramas.
Se o ESG é muito maior que o Compliance, a advogada especializada em Compliance, Patricia Punder, é assertiva ao dizer que não se pode falar em ter um programa de ESG sem que a empresa tenha uma boa fundação. E, para ela, a base da casa, a fundação, é o Compliance. “Muitas empresas falam de ESG sem ter o programa de Compliance. O ESG é o telhado que se coloca por último. Sem fundação sólida, a casa cai”, aponta Patrícia, para quem é preciso um olhar maior sobre os temas de governança na comparação com a agenda de meio ambiente, claramente o pilar do ESG mais conhecido e divulgado hoje. “Estão focando muito em metas relacionadas ao meio ambiente, porque dá público. É preciso dar mais atenção à governança. Sem Governança, Controles Internos e Compliance, a casa vai cair”, reforça. Mas se a especialista atribui o Compliance como elemento mandatório à boa execução da estratégia ESG, ela também não acredita que a liderança do tema, inclusive em termos de influência, caiba à área. “Quem tem que fazer isso é o board, a liderança da empresa. Eles têm que escutar mais o Compliance, trazerem à área para a mesa, mas a responsabilidade é deles”, emenda Patrícia Punder.
A edição deste ano do tradicional Anti-Bribery and Corruption Benchmarking Report publicado pela empresa de serviços na área de GRC, Kroll, com profissionais de todo o mundo, aponta que 54% dos profissionais entrevistados acreditam que o ESG traz mais desafios do que benefícios para a função. Na América Latina e na Ásia, regiões com maior predisposição de incorporar o ESG ao programa de Compliance anticorrupção, tende a ser maior ainda.
Coordenador do novo curso de ESG da LEC e consultor sênior da firma especializada T4 Compliance, Emerson Siécola, vê o papel do Compliance como o de um protagonismo secundário. Para o especialista, não se pode jogar no colo do Compliance a responsabilidade por mais esse papel. Nesse contexto apontado, Siécola entende que é preciso, antes que o Compliance venha a assumir um papel mais efetivo se perguntar qual a estratégia da organização, o que ela pensa em termos de ESG?
Akira Ano Jr., gerente de Auditoria, Riscos e Compliance da petroquímica Braskem, também diz que o papel que o Compliance vai exercer depende muito de cada empresa, mas a princípio, ele não acredita que seria o Compliance a liderar a agenda ESG. Por outro lado, o executivo da Braskem acredita que o responsável por ESG poderia ser, facilmente, o responsável por Compliance também, não só por conta do pilar de governança, mas também pelo social, que entre outras coisas, prevê o amadurecimento e fortalecimento de cultura ética, o respeito ao ser humano, à diversidade, ao não assédio… Temas importantes para o desenvolvimento da cultura de Compliance. “Eu vejo o cara de ESG com grande possibilidade de também ser um head de Compliance, ainda mais pensando na prática de mesclar o Compliance com Jurídico, Riscos ou Auditoria que acontece em vários lugares”, pontua Ano Jr..
UM MEIO PARA ENDEREÇAR QUESTÕES
É por meio do programa de Compliance que se pode evidenciar à alta administração a quantidade de alegações relacionadas a assédio moral ou sexual, por exemplo. E por se tratar de algo que faz parte do seu dia a dia, o Compliance pode dar muito mais força a apuração de uma denúncia do que o gerente de meio ambiente, que pode não querer abrir algo que possa demonstrar uma eventual fragilidade no seu processo, ou mesmo pelo conflito de interesse. Por meio do canal de denúncias podem chegar comunicações falando de trabalho escravo ou violações relacionadas ao meio ambiente. Companhias que já precisam lidar com exigências legais e regulatórias, como leis ambientais ou trabalhistas, são cumpridas por um profissional ou área dedicada. “Ele tem suas atribuições e por uma questão de rotina do dia a dia, não vejo esse profissional se comunicando com Compliance ou vice-versa. Cabe aos profissionais de Compliance buscar uma aproximação – voltado ao ponto estratégico – para que os riscos considerados pelas empresas contemplem os riscos de ESG que muitas empresas já praticam”, explica Siécola.
O mesmo vale para casos de assédio e racismo, que hoje em dia, são levadas muito mais a sério pelas empresas, em grande parte pelo fortalecimento do canal de denúncias e dos próprios processos de investigação conduzidos ou orientados pelo Compliance. “Temos uma participação importante nesse processo quando fazemos uma avaliação de terceiros, uma due diligence de condições ambientais, olhamos os TACs, se existem sanções por corrupção. Quando fazemos doações, fazemos avaliação dos donatários e patrocinadores”, reforça o executivo da Braskem, que acredita que a chegada dessa onda ESG, lhe permitiu enxergar ainda melhor como o trabalho do Compliance impacta os ambientes externo e interno das empresas.
A nova agenda tem potencial para gerar uma grande transformação cultural no ambiente corporativo, transformação já perseguida pela área de Compliance dentro do seu contexto de assegurar um ambiente de integridade, respeito e transparência nos negócios. Por isso, o Compliance pode seguir atuando com um disseminador do tema dentro da companhia, inclusive junto à alta administração, independentemente de a empresa ter uma estrutura dedicada ao ESG ou não. Para Ana Paula Candeloro, a área pode, por exemplo, dar mais luz ao debate sobre externalidades negativas da companhia e sua correlação com riscos reputacionais. O Compliance também pode auxiliar na coordenação de comitês que tratem de temas relacionados com essa agenda.
ACOMPANHAR É PRECISO
O tema ESG é envolvente e oferece uma narrativa muito forte, que pode ajudar a dar uma polida na imagem da área de Compliance, deixando de ado a pecha de xerife ou de alguém que só busca fiscalizar ou apontar defeitos. Antes de tudo, o ESG, assim com se espera do Compliance, é uma transformação de cultura. Talvez esse seja o motivo pelo qual muitos profissionais queiram aproveitar essa onda para focar mais nos aspectos relacionados à transformação cultural. Mas não se pode deixar o aspecto do monitoramento, de fiscalização de auditoria e investigação em segundo plano. “Vejo a função de Compliance em relação ao ESG como uma mangueira de jardim que vai ficando com furinhos. O Compliance vai ter que se ajustar a essa nova realidade, buscando tampar esses furinhos”, acredita Gisele Lorenzetti, presidente da agência de comunicação LVBA. Entre esses furinhos, entre outras coisas, está à própria relação comercial entre empresas. Num contexto em que elas assumem compromissos que são de ordem moral e de responsabilidade com os seus stakeholders, elas precisam praticar isso no seu dia a dia. Não basta dizer que se preocupa com a sustentabilidade, com o meio ambiente, cobrar isso dos seus parceiros de negócios, e na hora de fechar uma compra, a área de Compras considera apenas o menor preço, sem levar em conta os aspectos ambientais e sociais dos seus fornecedores.
É um ponto que exige a atenção da governança da empresa. Se os executivos da empresa se comprometeram com melhorias, em garantir uma mudança de mindset, e não cumprirem isso – seja por falta de capacidade ou pela intenção de não cumprir –, faltou transparência. E é preciso atribuir responsabilidades. “A governança entra para ajudar na identificação dessa falta de comprometimento com o acordo, para dar transparência de o porquê não ter sido cumprido e, na parte do enforcement, ajudar na remediação das ações que deveriam ter sido cumpridas”, explica Akira.
Mas não é tudo que deve ou precisa ser monitorado pelo Compliance. Embora o walk the talk seja um elemento importante para a reputação de qualquer companhia e suas lideranças, um dos aspectos que mais tem suscitado dúvidas diz respeito às metas e compromissos públicos assumidos pela empresa. Caso não se tenha ali um caráter de fraude por trás, de maquiagem nos números, essa situação deveria ser corrigida pela liderança maior da companhia e pelos seus subordinados, não pelo Compliance diretamente. O que não quer dizer que ele possa se alijar desse processo.
Ainda que não seja função direta, é importante que o profissional de Compliance esteja atento aos compromissos públicos assumidos para evitar os washings de diferentes tipos, um dos riscos naturais no processo de construção do ESG. Como o processo é novo, muita gente vai falar que vai fazer e uma parcela relevante vai deixar as promessas pelo caminho. Nesse ponto, a transparência ganha valor fundamental. Uma das premissas do ESG é que é preciso ser claro sobre os compromissos e sua execução. “Na era pré-internet, transparência era atributo do vidro. Você podia falar qualquer coisa que colava. Hoje, a transparência é demandada na veia. Nesse sentido, acredito que o ESG vai contribuir muito para que o próprio Compliance seja mais efetivo”, pontua Gisele, da LVBA. Se o Compliance Officer, acompanhando os indicadores, acreditar que a meta não será cumprida no prazo, ele pode alertar as instâncias superiores da empresa para que atentem aquele ponto. Mas ele também pode questionar os responsáveis por entregar os números para entender como ele pretende lidar com aquilo: se a meta será prorrogada ou se a área vai acelerar para entregar os resultados. A depender da resposta, fica um sinal de alerta, para que a área de Compliance seja mais diligente em relação aquele indicador.
Um dos meios de as empresas darem mais transparência às suas ações é a divulgação dos seus relatórios de práticas ESG (a maioria ainda focada em sustentabilidade) utilizando algum dos diferentes frameworks que hoje cobrem o assunto, como o GRI (da Global Reporting Initiative), ou o SASB (do Virtual Reporting Group), organizações internacionais de padrões independente que ajudam empresas a entender e comunicar seus impactos em questões como mudança climática, direitos humanos e corrupção. Os resultados desses relatórios são auferidos por firmas de auditoria que tomam as informações prestadas ali por referência e avaliam se as informações prestadas dão base para falar sim ou não. No âmbito da IFAC, a federação internacional dos auditores, vem se discutindo os critérios técnicos para se fazer a asseguração. “O auditor só consegue fazer a validação disso com critérios”, pontua Valdir Coscodai, presidente do Ibracon, o órgão local que representa os auditores independentes.
NOVAS REGULAÇÕES
Se existe a missão ou a necessidade de se acompanhar o desempenho da empresa na temática ESG é preciso antes saber o que medir, como acompanhar e comparar as informações. Aí o problema é a falta de parâmetros que tornem o processo mais claro e uniforme para todos, agentes públicos e de mercado. “O ESG continua sofrendo com a falta de padronização, falta de dados e falta de transparência em seus critérios. Essa ambiguidade pode levar os respondentes a acreditar que (por enquanto) a carga de trabalho para implementar ESG supera as recompensas de um programa ESG”, escreveu no Anti-Bribery and Corruption Benchmarking Report a diretora associada da área de Compliance e Diligência da Kroll, Chelsea Daniels.
Outro estudo, esse apresentado em julho pelo FATF-GAFI (entidade que dá a direção em relação aos temas de prevenção à lavagem de dinheiro em âmbito global), aponta os riscos relacionados à lavagem de dinheiro em relação aos crimes ambientais. De acordo com estimativas publicadas pela Interpol no World Atlas of Illicit Flows, movimenta algo entre US$ 110 bilhões e US$ 281 bilhões, pode ser enquadrado como “de baixo risco e altamente recompensador”, tornando-o uma ótima fonte de ganhos para os criminosos. O FATF-GAFI atribui o baixo risco ao ambiente legal e regulatório dos países, que não são consistentes globalmente e nem sempre endereçam corretamente os aspectos financeiros e de lavagem de dinheiro desses crimes, que tem uma grande diversidade de atores envolvidos, de grandes grupos do crime organizado até companhias multinacionais.
Reguladores do mundo todo vêm se movimentando no sentido de trazer a temática do ESG, especialmente a Ambiental, para dentro dos marcos legal e regulatório. É o caso da nova “Regulação de Divulgação de Finanças Sustentáveis” (SFDR, na sigla em inglês), em vigor desde março na União Europeia, traz um conjunto de regras voltadas para enfrentar a falta de supervisão em ESG, trazendo uma definição concreta do que constituiria um investimento sustentável nem um regulador para garanti-la. “A nova taxonomia da União Europeia exige que os fundos de investimento na Europa relatem a percentagem de ativos que são investidos em atividades “verdes””, conta a diretora do UBS BB.
Com uma necessidade maior por transparência, especialmente num momento em que existem cobranças pela demonstração desses resultados por acionistas e investidores e que essa temática é usada para conceder financiamentos e avaliar grandes projetos de investimento, a IFRS, organização que normatiza as regras contáveis em nível global, por meio da IFRS Foundation, trabalha num projeto que vai estabelecer critérios únicos e internacionalmente aceitos, para que as empresas possam ser mais bem avaliadas e comparadas dentro de um standard. A iniciativa já teve a sua fase de audiências pública definida e obteve o apoio da IOSCO, o órgão que reúne os reguladores do mercado de valores mobiliários de todo o mundo.
Entre as iniciativas regulatórias em discussão no mercado financeiro brasileiro, Ana destaca que os órgãos responsáveis têm sido protagonistas de um ativismo, no intuito de adotar um “Pratique ou Explique” de divulgação de informações não financeiras e adoção de relatórios de sustentabilidade, por exemplo, além de preocupação com a transição para uma economia de baixo carbono. Entidades como a ANBIMA (regulador do mercado de fundos de investimento) e CVM lançaram recentemente guias relacionados com o tema no qual explicam os conceitos e fazem orientações relacionadas com a agenda. A CVM também concluiu em março uma audiência pública que tinha o objetivo de aprimorar como as empresas reportam informações, passando a incorporar aspectos ESG. “No cenário da CVM confirmar a exigência de reporte de informações de aspectos ESG, o Brasil se aproximará do que órgãos reguladores têm promovido recentemente nos EUA, Reino Unido e Europa, locais em que o reporte de informações não financeiras deixou de ser voluntário e passou a ser mandatório”, comemora Ana Paula. Da parte do Banco Central, a expectativa é de uma atuação mais forte na área, especialmente no que diz respeito ao aprimoramento da gestão de riscos em relação ao tema, incluindo riscos climáticos. “O Green Swan, por exemplo, precisará ser incorporado à matriz de riscos. Existe uma grande expectativa de construção de uma economia de baixo carbono”, reforça a diretora do banco de investimentos. Novas regras para crédito rural também estão em consulta pública devem entrar em vigor até julho, quando começa o financiamento da próxima safra.
Quem conhece um pouco da história do Compliance sabe que é o mercado financeiro, pela natureza da regulação da atividade, costuma estar alguns anos à frente em relação ao que irá acontecer no mundo do Compliance nas empresas de todos os outros setores. Especialmente em termos de mecanismos de controles e gestão de riscos.
Mas isso não quer dizer que outros regulamentos setoriais que conversem com o ESG já não estejam em vigor e gerando riscos e penalidades para as empresas por fraudes e violações a esses regulamentos. As regras que estão sendo impostas para a eliminação de automóveis com motores a combustão, talvez o produto mais emblemático do século XX, sejam um bom exemplo disso, como demonstra o escândalo da Volkswagen. A gigante alemã foi pega pela agência de proteção ambiental dos Estados Unidos (EPA) por ter fraudado, por meio de um dispositivo que reduzia as emissões apenas no momento dos testes, as informações referentes à emissão de carbono de vários de seus veículos. Após os testes, sem o dispositivo, as emissões eram cerca de 40 vezes maiores e violavam o Clean Air Act, a legislação local que estabelece essas metas. A traquitana teria sido incorporada em 11 milhões de veículos produzidos entre 2009 e 2015, com cerca de 500 mil comercializados nos Estados Unidos. O caso acabou gerando repercussões em outros mercados e custou à companhia mais de 30 bilhões de euros, além de um abalo reputacional de proporções gigantescas envolvendo também as empresas de automóveis de luxo Audi e Porsche, controladas pela Volkswagen.
Agora em julho, as três empresas mais a BMW foram multadas em 875 milhões de euros pela União Europeia por terem feito conluio para limitar o desenvolvimento de sistemas de controles de emissão, restringindo a competição na área de tecnologias para emissão limpa de motores a diesel. O cartel foi denunciado pela Daimler, dona da Mercedes-Benz, que por conta da denúncia, ficou livre das multas. De acordo com a mídia especializada, esta é a primeira decisão antitruste que levou a uma multa considerando a cooperação em temas técnicos e não a fixação de preços ou repartição de mercados.
E OS (NOVOS) RISCOS DE COMPLIANCE DO ESG?
Os riscos ESG não são necessariamente riscos de Compliance, mas a temática traz uma série de novos riscos que podem se tornar riscos de Compliance. Os novos precedentes abertos pelas autoridades a partir da temática ESG precisam ser acompanhados de perto pela área de Compliance. Com muitos investimentos e novas tecnologias o risco de fraudes, de práticas comerciais e concorrenciais que se valem do poderio econômico e podem ser interpretadas como uma violação à livre competição, ou mesmo de suborno a fiscais, ainda mais nos primeiros anos de aplicação desses novos regulamentos, que estarão sob extenso escrutínio e fiscalização das autoridades governamentais não são nada desprezíveis.
No caso dos crimes ambientais, o sucesso dos grupos criminosos pode depender fortemente da corrupção, que facilita o acesso a produtos ambientais por meio de títulos de concessão e alvarás falsificados que podem encobrir a realização de atividades degradantes do meio ambiente em áreas que deveriam ser protegidas. Além, disso, como lembra o FATF-GAFI, a corrupção permite a falsificação de certificados de origem para dar a aparência de origem legítima para o material ambiental que está sendo exportado ou importado.
É preciso que o Compliance Officer consiga entender e gerenciar esses riscos que vão vir com cada um dos temas de ESG. A partir do momento em que o conselho e a alta administração incorporam essa agenda à estratégia da empresa, é necessária uma revisão do mapa de riscos. “Aí, acho que muito no seu papel, Compliance pode identificar os novos riscos, fazer revisões internas sob esse novo contexto e reformular elementos como o próprio treinamento, rever alguns valores descritos nos códigos de conduta e outras questões que podem surgir a partir dessa revisão dos riscos e a instituir dinâmicas de uma nova forma”, acredita Carolina Gazoni, sócia da 360º Compliance, consultoria especializada em Compliance.
No estudo da Kroll, 65% dos respondentes concordaram fortemente ou concordaram de que é importante endereçar os riscos de corrupção e suborno relacionados com o ESG. Ainda de acordo com a pesquisa, 62% dos respondentes na América Latina já incorporaram o ESG aos seus programas de Compliance anticorrupção e mais 22% responderam que isso pode vir a acontecer. Chelsea Daniels, da Kroll, destaca que a integração do ESG ao programa de Compliance é puxada também pela dinâmica econômica e de mercado de cada região. “Na América Latina, o ESG é impulsionado principalmente por preocupações ambientais e sociais decorrentes dos impactos negativos da indústria extrativa, enquanto na Ásia-Pacífico o foco está na resiliência dos negócios e direitos dos funcionários”, pontua.
Um risco que pode dar a impressão de ser menor (ou de que já está coberto pelo que se tem hoje), diz respeito às cláusulas relacionadas à agenda ESG nos contratos. Ao mesmo tempo em que demanda dos profissionais de Compliance uma visão de riscos mais holística, é preciso comtemplar nesses documentos cláusulas mais específicas relacionadas com o ESG. Porque o que se tem hoje, pode não ser mais suficiente para dar conta de cobrir os riscos nesse novo contexto. É algo parecido ao que se passou com as cláusulas anticorrupção e, agora, com a Lei Geral de Proteção de Dados.
Esse mesmo olhar holístico, mas aprofundado, precisa ser lançado nos processos de due diligence de terceiros. Os processos de conheça o seu cliente, empregado e parceiro vão precisar de um olhar mais ampliado, com afinco e mais profundidade às questões relacionadas a aspectos ambientais e sociais. “Ao fazer uma due diligence de terceiros, as empresas costumam olhar para os processos trabalhistas, por exemplo. Mas isso é feito de forma abrangente para saber quantos processos a empresa tem. Não se lança um olhar mais específico para descobrir quantos processos relacionados com assédio moral ou sexual, importantes no contexto do ESG, aquela empresa tem”, questiona Alessandra Gonsales, sócia do escritório GCAA e sócia-fundadora da LEC.
O mesmo se aplica aos processos ambientais. É preciso entender, ao menos no caso de parceiros relevantes, os riscos ambientais de forma mais detida, avaliar a política de descarte de resíduos, ou como se dá o tratamento dos efluentes que voltam ao meio ambiente. Ou ainda, no caso de uma transportadora contratada pela empresa, é preciso saber que outros tipos de materiais essa empresa transporta, para que se possa avaliar o risco desse fornecedor para a reputação e imagem da companhia.
Nenhuma empresa vai conseguir atingir suas metas de ESG sem contar com a participação dos seus parceiros de negócios nesse processo, por isso é fundamental que a agenda seja disseminada para toda a sua cadeia de valor. Até a área de vendas pode fazer parte dessa jornada. “Não é que o Compliance vai até o revendedor para avaliar aspectos de ESG. Mas ele precisa trocar informações com as outras áreas, entender as questões relacionadas com o tema que podem impactar no seu trabalho, formulá-las e, se for o caso, pode ser o próprio time comercial a fazer a avaliação, a partir de uma orientação do Compliance. O mais importante é que a área de Compliance tenha as informações para mapear os riscos e trabalhar”, acredita Alessandra.
ENFORCEMENT É FUNDAMENTAL
Por mais bonito e verdadeiro que seja o discurso relacionado com o ESG, a verdade é que o conjunto de compromissos, acordos e legislações que precisam ser cumpridos nas três áreas é bastante amplo. Reguladores no mundo inteiro têm estabelecido metas agressivas, especialmente no campo ambiental, que vão representar verdadeiras rupturas com os modelos existentes. Muita gente vai tentar encontrar formas de burlar esses regulamentos, ou simplesmente ignorá-los na expectativa de que nada de mais lhes aconteça. Por isso, o papel do Estado é fundamental no sentido de dar força a implementação da agenda ESG da perspectiva regulatória, civil e criminal.
“Sem dúvidas, os enforcements vão acontecer. Até pelos movimentos dos reguladores”, diz Lucena. Ele lembra no caso da barragem da Samarco, em Mariana, a CVM, pela primeira vez na história atribui responsabilidade criminal e administrativa aos administradores da companhia. Em Brumadinho, os diretores estatutários da Vale foram indiciados pela falta do dever de diligência. “Assim como acontece na agenda anticorrupção, os enforcements de agentes públicos e reguladores serão essenciais para darmos efetividade à agenda ESG”, corrobora Akira. Mas o executivo da Braskem diz que é preciso que esses agentes atuem de forma sinérgica e coordenada entre si para que se consiga avançar nos três pilares, especialmente social e meio ambiente. Tanto que uma das recomendações feitas aos países no estudo do FATF-GAFI, é a da realização de um risk assessment coordenado entre agências ambientais e de prevenção a lavagem de dinheiro locais.
As leis ambientais no Brasil são bastante rígidas e, historicamente, tem um bom nível enforcement. Por isso, Carolina, da 360º Compliance, acredita que os enforcements relacionados ao ESG vão evoluir mais cedo ou mais tarde, mas ela acredita mais no comprometimento das empresas. Embora concorde que o ESG tenha mais a ver com comprometimento do que com cumprimento, por ter passado por experiências profissionais em empresas que não acreditavam em Compliance e só adotaram a prática após terem problemas sérios, Patrícia Punder acredita que “a dor vai prevalecer sobre o amor”, em boa parte dos casos.
Por fim, ainda no contexto dos enforcements, é de se esperar cada vez mais a cooperação entre agências internacionais. Essa é outra recomendação do FATF-GAFI para os países, a de que eles devem reforçar suas capacidades operacionais para detectar e conduzir investigações financeiras relacionadas com crimes ambientais, o que inclui trabalhar com autoridades de outros países no sentido de compartilhar informações, facilitar as acusações e a recuperação de ativos que tenham sido enviados para o exterior. A entidade também espera ver mais países criminalizando a lavagem de dinheiro relacionada com crimes ambientais.
Uma maior intervenção dos Estados Unidos para processar casos além de suas fronteiras. A área ambiental é uma das grandes ambições do governo de Joe Biden e espera-se que o DoJ, por meio de sua divisão ambiental, opere numa dinâmica parecida a dos seus colegas na unidade de FCPA. Será que veremos multas bilionárias aplicadas pelos norte-americanos pela prática de crimes ambientais praticados fora dos Estados Unidos? São cenas para os próximos capítulos.
NOVO CURSO
Quando o assunto é educação e conhecimento, a LEC não deixa os profissionais de Compliance desassistidos. Por isso, prepara um novo curso ainda para este semestre com foco no ESG. Coordenador do novo curso, o especialista Emerson Siécola conta que o curso foi pensado para, primeiro introduzir os conceitos de ESG aos profissionais, independentemente da sua formação e segmento de atuação; e, na sequência se aprofundar em cada um dos pilares do ESG, trazendo uma vivência prática que é a marca registrada de todos os cursos da LEC. O curso contará com carga horária próxima a do curso de Compliance Anticorrupção e um time de professores de peso no mercado. Fique ligado no site e nas redes sociais da LEC para saber sobre o lançamento do novo curso.
Artigo publicado originalmente na edição 32 da Revista LEC.
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