A década de 90 foi marcada por grandes transformações na indústria farmacêutica, impulsionadas pelo avanço tecnológico, acesso à medicamento, patentes e implementações de regulamentações. Quase quatro décadas depois, o setor continua evoluindo de maneira exponencial.
Acompanhar essas mudanças, sejam elas de boas práticas, leis e/ou regulamentações faz parte da dinâmica do compliance, que começou a ganhar seu devido destaque no Brasil nos anos 2000. Do inglês “to comply” (cumprir), a área surge em reposta a necessidade de garantir a disseminação de uma cultura empresarial pautada pela ética e transparência, visando assegurar a conformidade com leis, regulamentos e padrões éticos externos e internos.
No complexo cenário do setor da saúde, onde a qualidade, segurança e integridade são requisitos mínimos, a indústria farmacêutica logo percebeu a necessidade de incorporar o compliance no dia a dia, bem como políticas de gestão de riscos e preservação da reputação das companhias.
Esse escopo, no entanto, tem sido ampliado para se adaptar à realidade brasileira e as necessidades vigentes. Por exemplo, há cinco anos, quando falávamos de compliance no setor, pensávamos automaticamente e resumidamente na relação com os médicos, impondo inflexões éticas sobre encontros, jantares e viagens.
Mas hoje, mais do que isso, soma-se esforços para entender e posicionar o negócio, os relacionamentos e trocas com o governo, órgãos regulatórios, associações de pacientes, ONG’s e pacientes engajados– já que, por meio da tecnologia, a disseminação de informações de qualidade sobre saúde é mais acessível e permite que a população se engaje e obtenha mais conhecimento.
Para que a condução dessas interações seja feita de maneira ética e transparente, as empresas farmacêuticas que se associam de maneira facultativa à Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa) e a Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo) seguem as diretrizes expressas no código de conduta elaborado por elas. É papel do compliance estudar e reforçar essas orientações internamente e externamente.
Além disso, a alteração da Lei Orgânica de Saúde (Lei nº 8.080/1990) – instituída com o objetivo de estabelecer as bases do sistema de saúde no Brasil e definir as diretrizes para a organização e o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) – também tem exigido uma atualização periódica do mapeamento de riscos, visto que é uma tendência nova, advindas da atualização que previu novas regras de incorporação no sistema público e de indicação de uso (Lei nº 14.313/2022), com o objetivo de promover maior transparência, previsibilidade e segurança jurídica aos processos.
Muito além da “polícia interna” restrita a investigações, como o compliance era conhecido no passado, a área é uma “parceira do negócio” e busca entender os desafios, discutir projetos de curto e longo prazo, além de se dedicar a realização de treinamentos internos e externos, promoções de projetos e iniciativas sociais, proteção de dados, análise de comunicação, venda e promoção de produtos, monitoramento e apuração.
Na Biogen, por exemplo, o compliance é uma área independente que se reporta diretamente para a regional e a global da empresa. Dessa forma, reforçamos a imparcialidade, a transparência e a independência na função de conformidade. Apesar da autonomia, o compliance é uma área que não opera isoladamente. O setor colabora estreitamente com outras áreas da empresa, como o comitê executivo de liderança, diretoria e executivos, onde consegue ter visibilidade do negócio como um todo, e ainda com a área jurídica, a de recursos humanos, finanças, marketing e comunicação, para garantir a eficácia dos programas de conformidade e promover uma cultura ética em toda a organização.
Os avanços são notáveis e a perspectiva para o futuro é de mais mudanças. Hoje vemos uma impulsão do segmento de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e o avanço tecnológico e da inteligência artificial. Ainda não sabemos qual será o impacto para o setor, mas é certo que o compliance há de se preparar para a condução ética e transparente de todas as novidades que ainda estão por vir, para que, no final da ponta, o que realmente importa, o paciente, receba o tratamento adequado e tenha uma melhor qualidade de vida.