Por Ana Regina M. Kalil e Weliton da Silva Marques
Em 2021, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) desenvolveu as adequações no formato das normas exigidas pelo Decreto 10.139 de 18 de novembro de 2010, que trata da redução do custo de observância regulatória.
O novo formato utilizado pela CVM prevê a revisão e a consolidação de diversos atos por pertinência temática, com padronização da nomenclatura dos atos, sendo que a CVM passou a publicar Resoluções destinadas a atos editados por colegiados. Já as Instruções Normativas deverão ser destinadas para consubstanciar os atos editados por uma ou mais autoridades singulares, no exercício de sua competência normativa. (Portarias CVM/PTE 108/20 e 109/20 e Resolução 1 de 6 de agosto de 2020).
A intenção por trás das adequações do Decreto 10.139/2010 é direcionar uma melhor técnica legislativa dos atos, com fusão de dispositivos repetitivos, eliminação de ambiguidades, homogeneização terminológica, dentre outros, que ajudam na consolidação de atos normativos.
Os atos normativos revisados e consolidados vêm sendo publicados em etapas, observados os prazos constantes nas Portarias CVM/PTE 108/20. Diversos temas têm sido abordados nestes atos, como fundo de investimentos, mercados organizados, ofertas públicas de valores mobiliários, agências classificadoras de riscos, investidores não residentes, administradores de carteiras de valores mobiliários, agentes autônomos, sandbox e outros voltados à governança e atos internos do próprio regulador.
A CVM tem evitado fazer mudanças nos atos que se limitam a pequenas correções, atualizações de nomenclatura ou definições técnicas, mas mantendo o escopo original das antigas Instruções.
Até setembro do último ano, 52 Resoluções já haviam sido editadas. Neste texto, iremos abordar apenas aquelas que impactam o profissional de Compliance da Indústria de Fundos de Investimento (Administradores de Carteiras, Distribuidores, Consultores e Agentes Autônomos de investimento).
Resolução CVM 16/21: dispõe sobre a atividade de agente autônomo de investimento (revogando as Instruções 497/11, 515/11 e 610/19). Trata-se somente de uma consolidação e compatibilização de texto, sem mudança nas obrigações para os agentes regulados. Já o exercício da atividade de Agente Autônomo de Investimento está em discussão e deverá ser objeto de uma nova Resolução no futuro.
Resolução CVM 19/21: trata da atividade de consultoria de valores mobiliários (e revoga as Instruções 592/17 e 619/20, Deliberação CVM nº 783/17). A CVM reconheceu a atividade de consultoria como de risco moderado, permitindo, consequentemente, a concessão automática de registro de consultor, para pessoas física ou jurídica, que protocolarem os documentos listados nos anexos da norma. A autorização automática será enviada após a conferência dos documentos e levará em torno de cinco dias úteis, contados a partir da data do protocolo.
Resolução CVM 21/21: sobre o exercício profissional de administração de carteiras de valores mobiliários (revoga as Instruções 426/05, 557/15, 558/15, 597/18 e Deliberações nº 51/87, 740/15 e 764/17). Consolida as normas sobre o exercício profissional da atividade de administração de carteira de valores mobiliários, sem acarretar mudanças relevantes nas obrigações dos administradores. De novidade, a norma reduz o prazo para a apreciação dos pedidos de autorização de 105 dias para 60 dias.
Resolução CVM 23/21: dispõe sobre o registro e o exercício da atividade de auditoria independente no âmbito do mercado de valores mobiliários e define deveres e responsabilidades dos administradores das entidades auditadas no relacionamento com os auditores independentes (revoga as Instruções: 308/99, 591/17, 611/19). A Resolução 23 incorpora as mudanças propostas na Audiência Pública SDM 07/20. A principal alteração foi a eliminação da exigência de que os sócios de pessoas jurídicas de auditores respondam solidariamente e ilimitadamente pelas obrigações sociais, quando esgotados os bens da sociedade. Além disso, a norma passa a exigir o encaminhamento à CVM das demonstrações contábeis dos auditores.
Resolução CVM 29/21: sobre as regras para constituição e funcionamento de ambiente regulatório experimental, o sandbox regulatório (revoga a Instrução CVM nº 626/20). O sandbox regulatório da CVM é um ambiente experimental no qual os participantes admitidos receberão autorizações temporárias e condicionadas para desenvolver inovações em atividades regulamentadas no mercado de capitais, e terão sua trajetória monitorada e orientada pela CVM. Até a presente data, três empresas foram autorizadas pela CVM para implementarem seus projetos: Basement Soluções de Captação e Registro Ltda., Beegin Soluções em Crowdfunding Ltda., e Vórtx Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda.
Resolução CVM 30/21: dispõe sobre o dever de verificação da adequação dos produtos, serviços e operações ao perfil do cliente (o suitability), revogando a Instrução CVM nº 539/13. Essa Resolução trouxe como novidade a mudança do prazo de atualização do “Perfil dos Clientes”, compatibilizando-o com a periodicidade para atualização cadastral adotada pelas instituições em suas respectivas avaliações de riscos, conforme previsto na ICVM 617/19, observando-se o intervalo máximo de cinco anos. Por outro lado, a norma manteve a necessidade de se rever a classificação de riscos dos produtos financeiros oferecidos a cada dois anos.
Resolução CVM 35/21: estabelece normas e procedimentos a serem observados na intermediação de operações realizadas com valores mobiliários em mercados regulamentados de valores mobiliários (revoga Deliberação 105/91, e as Instruções 505/11, 526/12, 581/16, 612/19 e 618/20). Esta resolução não acarreta mudança de mérito nas obrigações atuais.
Resolução CVM 39/21: de forma temporária e em caráter experimental, dispõe sobre o registro do Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (FIAGRO), criado pela Lei 14.130/21. Trata-se de iniciativa da Autarquia com o intuito de fornecer uma rápida resposta à necessidade de se estruturar um veículo de investimento coletivo especificamente criado para aplicar recursos no agronegócio brasileiro e dar segurança ao investidor. A CVM optou por aproveitar a plataforma regulatória vigente, o que permite que sejam imediatamente constituídos e registrados três diferentes tipos de Fiagro. São eles:
- Fiagro – Direitos Creditórios: fundo de investimento em direitos creditório constituído nos termos da Instrução CVM 356.
- Fiagro – Imobiliários: fundo de investimento imobiliário constituído nos termos da Instrução CVM 472.
- Fiagro – Participações: fundo de investimento em participações constituído nos termos da Instrução CVM 578.
Resolução CVM 50/21: dispõe sobre a prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa ( PLD/FTP) no âmbito do mercado de valores mobiliários e revoga a Instrução CVM nº 617/19 e a Nota Explicativa à Instrução CVM nº 617/19.
A principal mudança da nova Resolução foi a ampliação do escopo preventivo da Instrução anterior para dispor sobre PLD/FTP, endereçando as atualizações de siglas referentes à prevenção ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa (“PLD/FTP”), e ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (“COAF”), o qual era referido como Unidade de Inteligência Financeira.
Outras notícias e esclarecimentos de destaque
A publicação das Resoluções não foram as únicas atividades da CVM com impacto sobre a Indústria de Fundos de Investimento ao longo de 2021.
Ampliação do Convênio CVM e Anbima: novidade importante a ampliação do convênio CVM/Anbima, que permite o aproveitamento dos trabalhos de supervisão de fundos de investimento. Desde 19 de setembro de 2021, a Anbima compartilha com a CVM as fiscalizações realizadas em termos do enquadramento dos fundos de investimento, ou seja: se os ativos dos fundos estão de acordo com o que está definido nos regulamentos.
A nova frente do convênio possibilitará o acompanhamento e o compartilhamento na íntegra com a CVM dos trabalhos realizados pela ANBIMA, incluindo as penalidades aplicadas, como multas, além dos termos de compromisso celebrados, de forma que a autarquia possa aproveitar o material e as decisões tomadas. A troca de informações também permitirá agilidade na análise das carteiras e minimizará a redundância de autuações.
Ofícios Circulares e esclarecimentos
Em 23 de fevereiro de 2021, a CVM publicou o Ofício Circular CVM/SIN 02/2021, com orientações sobre os elementos mínimos que devem constar do Relatório de Conformidade (Compliance) previsto no art. 22 da Instrução CVM 558, para que o mesmo seja considerado como “suficiente para cumprir a norma, e para viabilizar um trabalho de supervisão, pela Gerência de Acompanhamento de Investidores Institucionais (GAIN/SIN), sobre essas práticas de maneira mais efetiva”. (Daniel Maeda – SIN/CVM).
Publicado em 08 de março de 2021, o Ofício Circular CVM/SIN 03/2021 traz orientações sobre monitoramento do enquadramento aos limites de concentração em fatores de risco dos fundos de investimento de acordo com suas classes definidas na Instrução 555. A CVM esclareceu que nos trabalhos de supervisão da CVM/SIN, foram identificados controles e processos inadequados ou incompletos de monitoramento, por parte de administradores e gestores, de tais limites de concentração que caracterizam a classe de cada fundo.
Em 01 de setembro de 2021, a CVM/SIN lançou o OFÍCIO-CIRCULAR/CVM/SIN/Nº 7/2021, que esclarece sobre as responsabilidades de controles e informes diários à CVM em relação às saídas dos caixas dos fundos.
Em 01 de outubro do último ano, o Ofício Circular SMI/SIN 2/21 esclarece sobre a harmonização de prazos para a atualização cadastral (RCVM 50/21) e o perfil de riscos dos clientes (Suitability). Atualizações em prazos diferentes passam a ser admitidas apenas em casos específicos listados na norma. O segundo ponto diz respeito à necessidade de procedimentos para verificação da condição de investidor qualificado e profissional em produtos voltados para esses públicos, mesmo quando as carteiras desses clientes são administradas por um gestor profissional.
Audiências de destaque: a audiência pública para a modernização das normas de fundos de investimento, em especial para a atualização da ICVM 555, foi encerrada em 15 de abril de 2021. O mercado espera uma atualização das normas apenas para o segundo semestre de 2022. A minuta de resolução e as propostas de alterações recebidas podem ser consultadas no site: http://conteudo.cvm.gov.br/audiencias_publicas/ap_sdm/2020/sdm0820.html.
É importante que a CVM acompanhe a modernização dos mercados de capitais e as novas legislações, em especial a Lei da Liberdade Econômica, que trouxe novas possibilidades para a regulação dos fundos de investimentos, incluindo a limitação da responsabilidade de cada cotista ao valor de suas cotas, a previsão de responsabilidade dos prestadores de serviços, a possibilidade de segregação dentro do fundo com diferentes classes de cotas com direitos e obrigações distintas, além da aplicação da insolvência civil aos fundos de investimentos.
Destacamos ainda a possibilidade de distribuição ao público em geral de FIDC´s, restritos a investidores qualificados / profissionais.
Outro destaque foi a audiência pública para a mudança na regulação dos agentes autônomos de investimento, sdm nº 05/21, encerrada em 17 de setembro de 2021. As principais mudanças em discussão são: a possibilidade da admissão de sócios de escritórios de Agentes Autônomos de Investimento (AAI), mesmo que eles não sejam AAI’s; o fim da obrigatoriedade de vinculação exclusiva a um intermediário; e o aumento da transparência na remuneração do AAI para os investidores; além da necessidade de estabelecimento de controles internos e compliance para essas instituições.
As mudanças propostas para os AAI são pleiteadas pelo mercado há muito tempo e devem contribuir para um mercado mais transparente e com maior governança. Por meio da audiência pública a CVM pode entender essas temáticas, em especial o contorcionismo dos AAI’s com estruturas jurídicas frágeis e inúmeras sociedades empresariais para conseguirem preencher uma amarra que vem em desacordo com os ditames da Lei da Liberdade Econômica.
Relatório da Atividade Sancionadora: Em 29 de março de 2021, a CVM publicou o RELATÓRIO DE ATIVIDADE SANCIONADORA que identificou 325 indícios de crime em 2020. As pirâmides financeiras, presentes em 175 dos 325 comunicados, foram os indícios de crimes mais frequentes em 2020. Em seguida, destacam-se os casos de intermediação sem autorização (49 ofícios) e de ofertas de valores mobiliários sem registro (21 ofícios). A análise de eventuais crimes envolvendo pirâmides não está na competência da CVM, e, por isso, tais indícios, quando identificados, são comunicados ao Ministério Público. Porém, vale lembrar que pirâmides que se utilizam de instrumentos com características de CIC (contrato de investimento coletivo) estão na competência administrativa da CVM.
CVM avançando com o seu plano
Pelo que se pode observar, a atuação da CVM em 2021 esteve em linha com o seu planejamento estratégico publicado: aumentar a eficiência na supervisão e na atuação sancionadora, além de reduzir os custos de observância para os participantes, conforme pode ser lido no Plano Estratégico CVM.
Atenção especial deve ser dada a ampliação do convênio da CVM com a Anbima, o que deverá levar a um aumento dos processos de fiscalização no mercado de fundos de investimento.
Os participantes devem estar alertas à atenção destinada ao controle dos limites de risco e regulatórios dos fundos de investimento, em 01 de dezembro de 2021 entraram em vigor as novas regras para gestão de liquidez dos fundos regulados pela Instrução CVM 555, que fazem parte do Código de Administração de Recursos de Terceiros da Anbima.
As alterações devem ser objeto da atenção dos Profissionais de Compliance, que devem compreendê-los e transmiti-los aos envolvidos com o tema em sua instituição, assim como, diligenciar a sua observância.
Ana Regina M. Kalil é Diretora de Compliance e Riscos, mestre em administração de empresas e tem mais de 20 anos de experiência na área de fundos de investimento. Weliton da Silva Marques, Sócio e Diretor de Risco e Compliance da Zeus Capital, advogado com mais de 17 anos de experiência e especializado em Compliance Financeiro pela LEC.
Coordenadoras do Grupo de Estudos e Monitoria de alunos do Curso de Compliance Financeiro da LEC: Ana Regina M. Kalil, Alessandra Gonsales e Renata F. Andrade
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