A regulamentação das apostas de quota fixa no Brasil trouxe consigo um marco histórico para o país: a criação de um mercado que abre portas para novos negócios multimilionários e que, ao mesmo tempo, exige padrões elevados de governança, integridade e responsabilidade social.
A Lei nº 14.790/2023[1], combinada com um robusto conjunto de Portarias da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA/MF), instituiu um regime de regras que vai muito além de simples requisitos burocráticos e deixa clara a necessidade de controles rígidos.
Nesse cenário, a função do compliance deixa de ser acessória e se torna central. E os profissionais de compliance são os mais capacitados para atuarem na condição de guardiões da conformidade regulatória e da integridade da operação, como linha de defesa para proteger operadores, consumidores e o próprio esporte.
A seguir, destaco 10 áreas-chave que exigem atenção permanente.
1. Compliance regulatório e relação com o regulador
O ponto de partida para a atuação de qualquer operador é ter domínio sobre o arcabouço regulatório e manter uma relação de confiança com a SPA/MF, órgão responsável por autorizar, fiscalizar e sancionar a atividade. O compliance deve mapear permanentemente leis, portarias e instruções normativas, acompanhar consultas públicas e atualizar as políticas internas diante de cada nova exigência.
A obrigação de reportar dados ao sistema SIGAP, a comprovação de repasses tributários, a observância de prazos de adequação e a resposta célere a fiscalizações fazem do compliance a principal interface com o regulador. Trata-se de uma atividade estratégica, e não meramente administrativa.
2. Prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo (PLD/FT)
O setor de apostas é considerado de alto risco para práticas de lavagem de dinheiro. A Portaria SPA/MF nº 1.143/2024[2] estabelece diretrizes rígidas a serem observadas: políticas internas, monitoramento de transações, cadastro de clientes, classificação de risco, reporte de operações suspeitas ao COAF e treinamento de colaboradores.
O eventual descumprimento pode gerar multas, sanções administrativas e até a responsabilização pessoal dos administradores. Aqui, o compliance deve assumir papel de vigilância ativa, integrando tecnologia, análise de dados e cooperação com autoridades financeiras.
3. Identificação de apostadores e KYC
A legislação exige procedimentos rigorosos de “conheça seu cliente” (KYC). O cadastro dos apostadores só deve ser validado após verificação de idade, CPF e reconhecimento facial. Apostadores podem ter apenas uma conta por marca, e o sistema precisa barrar Pessoas Expostas Desportivamente (PED)[3] e indivíduos em listas de exclusão.
O compliance deve garantir que mecanismos de autenticação sejam infalíveis, evitando fraudes como uso de identidades falsas ou duplicidade de contas. O onboarding digital torna-se, assim, uma das áreas mais críticas para a integridade da operação.
4. Jogo Responsável e Proteção ao Consumidor
O equilíbrio entre atividade econômica e proteção social é pilar central da regulação. A Portaria SPA/MF nº 1.231/2024[4] obriga operadores a oferecerem limites de apostas, alertas de risco, ferramentas para autoexclusão e campanhas educativas.
Essas práticas visam mitigar riscos de compulsão, endividamento e superendividamento, alinhando-se ao Código de Defesa do Consumidor e ao Anexo X do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que também impõe regras para a publicidade responsável das apostas
É papel do profissional de compliance garantir que as diretrizes de jogo responsável não fiquem apenas no papel, mas sejam efetivamente implementadas e monitoradas.
5. Segurança da Informação e Proteção de Dados
Em um setor em que o dado é ativo estratégico e vulnerabilidade potencial, o profissional de compliance deixa de ser apenas defesa e se torna ativo competitivo, assegurando confiança, transparência e sustentabilidade ao operador.
Para estar em conformidade com a LGPD (Lei nº 13.709/2018)[5], os operadores precisam implementar políticas sólidas de privacidade, consentimento informado, planos de resposta a incidentes e governança de dados.
Nesse cenário, o compliance funciona como guardião da integridade dos processos de coleta, tratamento e armazenamento de dados, garantindo plena conformidade com as normas que tratam de segurança da informação.
6. Monitoramento da Integridade Esportiva
A proteção da imprevisibilidade dos resultados esportivos é uma prioridade compartilhada pela SPA/MF e pelo Ministério do Esporte. Operadores devem monitorar padrões de apostas, identificar movimentações suspeitas e cooperar com autoridades e entidades esportivas na investigação de manipulação de resultados.
Nesse cenário, o compliance é quem atua como responsável desse ecossistema, garantindo que a relação entre apostas e esporte seja saudável e não comprometa a credibilidade das competições.
7. Transações Financeiras e Meios de Pagamento
O compliance deve garantir que todas as operações financeiras estejam em conformidade com as regras da SPA/MF no que se refere à atuação das empresas de meios de pagamento, em especial aquelas definidas nas Portarias nº 615/2024[6] e nº 566/2025[7], que vedam o uso de dinheiro em espécie, boletos, criptoativos, cartões de crédito e de intermediários não autorizados.
Para esse fim, cabe ao compliance, por exemplo, supervisionar continuamente os fluxos de entrada e saída de recursos, assegurando que ocorram apenas via contas transacionais autorizadas pelo Banco Central, bem como implementar controles que detectem transações suspeitas ou tentativas de uso de canais proibidos.
Dessa forma, o compliance é peça-chave para blindar o operador contra irregularidades financeiras e garantir que a movimentação de recursos seja transparente, segura e auditável.
8. Publicidade e Comunicação Responsável
O compliance deve atuar como a instância de controle final antes que qualquer campanha publicitária vá ao ar. Isso significa revisar e aprovar peças de marketing para garantir que estejam em conformidade com as normas.
Também cabe ao profissional de compliance monitorar continuamente a atuação de afiliados, influenciadores e parceiros comerciais, assegurando que sigam as mesmas regras de comunicação responsável, bem como atuar como educador interno, ajudando a alinhar a comunicação da empresa ao princípio da responsabilidade social e a proteger o operador de riscos reputacionais e regulatórios diversos.
9. Investigação Interna
Quando surgem indícios de irregularidades (seja fraude financeira, manipulação esportiva ou violação regulatória), o compliance deve assumir a liderança das investigações internas.
Sua atuação envolve estabelecer protocolos claros de investigação, garantindo imparcialidade, confidencialidade e respeito ao devido processo legal, assim como coordenar a coleta e preservação de evidências (documentos, registros digitais, logs de sistemas, e-mails, etc.);
Também incumbe ao profissional de compliance elaborar relatórios conclusivos com recomendações de medidas corretivas e, quando necessário, recomendar o reporte imediato às autoridades competentes.
Vale destacar que a atuação do compliance não se limita a “apagar incêndios”, mas também a cria uma cultura de responsabilização e integridade, fortalecendo a confiança do regulador, do mercado e dos consumidores.
10. Avaliação e Gestão de Riscos
Operadores de apostas devem manter matrizes de risco atualizadas, identificando vulnerabilidades (financeiras, tecnológicas, operacionais e reputacionais) e adotando estratégias de mitigação. Um programa robusto de riscos não só atende à lei, mas também protege a sustentabilidade do negócio.
Nesse contexto, o profissional de compliance deve ser o centro nervoso da gestão de riscos do operador. Seu papel será estruturar uma abordagem contínua e preventiva de modo a garantir que a tomada de decisão seja orientada por evidências e que a operação do operador esteja sempre alinhada aos riscos previstos nas normativas que regulamentam o setor.
Conclusão
O recém-regulamentado mercado brasileiro de apostas exige muito mais que o cumprimento literal da lei. Exige também cultura de integridade, visão estratégica e investimento contínuo em compliance como linha de defesa.
As 10 áreas aqui destacadas mostram que compliance é espinha dorsal de um mercado que precisa equilibrar rentabilidade, proteção social e credibilidade esportiva.
Para os operadores, isso significa adotar práticas de classe mundial. Para os profissionais de compliance, significa assumir uma posição de protagonismo e que contribua decisivamente para que o Brasil tenha não apenas um mercado lucrativo, mas também seguro, íntegro e sustentável.
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