Com uma abordagem focada em pessoas e na simplicidade dos processos, a fabricante de laticínios estrutura sua área de conformidade para unificar a cultura em seis fábricas e fortalecer a governança em meio a uma transição de gestão.
“Eu falo para todo mundo o tempo inteiro: “A área de Compliance não é parceira do negócio. A gente é o negócio”. A frase, dita com convicção por Heloisa Penteado, diretora de Compliance da Quatá Alimentos, resume a filosofia que move a recente estruturação da área na fabricante de queijos e laticínios. Vivendo um momento de transformação, com a vinda de profissionais de mercado assumindo a liderança da operação antes tocada diretamente pela família fundadora, o Compliance se estrutura na Quatá com a missão de ser um pilar de sustentação da cultura, focado em cuidar das pessoas, dos processos e da reputação da marca.
Com vendas de R$ 2 bilhões e 35 anos de história, completados em julho de 2025, a Quatá mantém o controle 100% familiar, mas optou por uma nova governança para garantir sua perenidade. A decisão de trazer um CEO de mercado para a empresa foi tomada em 2023 e, em já 2024, a área de Compliance foi oficialmente criada. Heloisa chegou na empresa em 2024, cerca de três meses após o lançamento do programa.
Um dos principais desafios da diretora é unificar a cultura da companhia, que possui seis unidades fabris espalhadas pelo país, além de sede e centro de distribuição em São Paulo. Antes, cada fábrica possuía seu próprio modo de lidar com as situações, muitas vezes baseado no estilo do gestor local. Essa descentralização foi importante no processo de construção da companhia, mas agora, com a companhia em outro patamar, é importante manter um alinhamento de cultura e processos. “Você tira a leitura da situação da interpretação de um gestor e começa a trazer a análise para um processo mais estruturado e eficiente, mas sempre alinhado à cultura da empresa, que sempre foi muito humana e próxima da sua gente”, afirma a diretora. Por isso mesmo, Heloisa prefere dizer que nessa nova fase, a empresa está se “reestruturando”, evitando o termo “profissionalização”, inclusive por respeito à trajetória da empresa. “Nenhuma empresa alcança o que a Quatá conquistou em pouco mais de três décadas à toa”.
Para construir essa cultura unificada, a estratégia de Compliance se baseia na qualificação das suas ações de acordo com a realidade de cada um dos diferentes grupos da companhia, e principalmente na proximidade real com as pessoas, com a área verdadeiramente disposta a escutar o que as pessoas têm a dizer ou relatar, ainda que não sejam, exatamente questões de Compliance. A empresa implementou uma agenda de treinamentos presenciais para seus mais de 2.000 colaboradores, em todos os turnos e localidades. “A gente não acredita em lista de presença, a gente acredita em participação”, reforça a executiva.
Lançado em abril de 2024 junto com o programa, o canal de denúncias da Quatá tem sido uma ferramenta central. Heloisa conta que o canal é bastante acessado e a qualidade dos relatos tem melhorado, o que permite um trabalho mais célere nas apurações.
Heloísa vê o canal de denúncias da Quatá como um “termômetro para a companhia”. “Ainda que venham casos fora do escopo, nós tentamos entender o que o público está tentando comunicar. Por que ele prefere falar pelo canal de ética ao invés de conversar com o seu gestor, ou tratar com o RH sobre determinado assunto”, explica a diretora de Compliance, reforçando que nenhuma demanda fica parada no canal. Agora, a comunicação sobre a ferramenta está sendo expandida para fornecedores e a comunidade externa. “A gente tem visitado produtores rurais e trazido para eles a consciência de que eles também podem falar”, destaca Heloisa.
Se é comum no mercado o discurso de que “todas as denúncias feitas pelo canal de denúncias não serão retaliadas, desde que feitas de boa-fé”, a Quatá adota uma rigorosa política de não retaliação para os denunciantes, inclusive em casos de má- fé do denunciante. “A gente não trabalha com retaliação, não é nosso valor. Nós trabalhamos com consequência”. Dessa forma, o foco se desloca da punição para a aplicação de medidas justas e proporcionais ao ato, tratando a situação de forma confidencial lembrando que os processos são tratados com o máximo de confidencialidade, porque as pessoas têm o direito a um recomeço, ainda que possam ter cometidos erros em algum ponto de suas carreiras.
As investigações são conduzidas internamente, mas com o apoio de um escritório terceirizado para garantir a imparcialidade. O processo foi redesenhado para ser mais acolhedor, com entrevistas que respeitam as pessoas, independentemente da sua condição naquela investigação. “A jornada tem que ser leve, apesar dos temas às vezes serem indigestos”, pontua a diretora.
Outro pilar fundamental na estratégia de Compliance da Quatá é a parceria estratégica estabelecida com os participantes da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), profissionais que possuem credibilidade e reconhecimento junto aos colegas e que mesmo antes das NR 01 (que traz para o contexto da CIPA as questões relacionadas à denúncias de assédio) estão sendo capacitados para atuarem como guardiões dos princípios da Quatá. Os resultados têm, em alguma medida, surpreendido Heloisa, para quem o trabalho deu a muitos “cipeiros” (como são conhecidos os membros da CIPA, eleitos em eleições regulares com os funcionários). “A ideia é que, além de suas atribuições de segurança, os membros da CIPA se tornem um braço de apoio e comunicação do compliance no dia a dia da fábrica, aptos a identificar comportamentos inadequados e a reforçar a cultura de integridade da companhia”, explica.
Da cadeia de fornecedores aos vínculos locais
A Quatá, por ser altamente regulada, já possui práticas consolidadas de desenvolvimento de produtores rurais nos aspectos sanitário e ambiental. Agora, a empresa está inserindo critérios de compliance na homologação de fornecedores.
Um desafio particular é a gestão de vínculos familiares, tanto no quadro de funcionários quanto na rede de fornecedores, especialmente nas cidades pequenas onde as fábricas estão localizadas. “A gente tem fábrica em cidades com 20 mil habitantes e aí você acaba tendo que o cara que te fornece um item, que é primo do outro”,exemplifica. Quebrar essa dependência e gerenciar os parentescos internos são pontos de atenção no mapeamento de riscos da Quatá que está em andamento.
A interação com agentes públicos, por sua vez, não é vista como um ponto crítico de risco no momento, pois as fiscalizações são rotineiras e frequentes. No que tange a doações, a política é clara: a empresa não faz doações ou patrocínios financeiros, apoiando causas e eventos com a doação de seus produtos, como leite e queijos.
